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Dia 26 de junho de 1822, Maragogipe aclama D. Pedro único representante e exige fim das hostilidades portuguesas

Antes de qualquer explicação histórica gostaria de agradecer aos leitores Augusto Lopes e Hélio Tomita, é por causa do questionamento de vocês que estou escrevendo esse texto, para completar o artigo anterior.

Sou professor de História e estou me especializando em História de Maragogipe e do Recôncavo, discordo de muitas histórias que foram criadas movidas a interesses políticos por estas terras e sempre que puder eu estarei aqui para desconstruí-las. 

Como professor, digo sempre aos meus alunos que NUNCA concordem plenamente com a idéia ou a fala de outra pessoa, inclusive da minha, pois o que todas as pessoas fazem é escrever ou falar sobre uma verdade que elas entendem que é a verdade. Contudo, sabemos que NÃO EXISTE VERDADE ABSOLUTA e logo não existe imparcialidade em notícia, com isso, eles devem começar a pensar, refletir e buscar pelo saber, sem contudo desprezar o conhecimento do outro, afinal de contas, as descobertas só surgem partindo de uma contradição. Me diga quem não tem tendência e eu direi que ele estará morto, pois em vida ele tinha suas preferências. Com isso, viso ser verdadeiro, somente, não faço questão de defender A ou B, faço questão de dizer a verdade, aquela que eu entendo como verdade, e a que os documentos me remetem como verdade, através da interpretação rigorosa de fatos e acontecimentos ocorridos ao longo da história.

Sendo assim, posso primeiramente citar que a História de Maragogipe é uma das mais belas e mais vibrantes de todos os tempos e aos poucos eu vou contando neste blog, e guardo outras para meu Livro que estou escrevendo. Se eu tivesse recursos suficientes, esse estudo seria mais acelerado, mas como não tenho, sigo como a maioria dos historiadores seguem, sem patrocínio, pois o que a maioria das pessoas entendem somente que a História é Passado, eu entendo que a História é Presente - é somente com questões do presente que interrogamos o passado

"A história é o estudo dos homens no tempo e no espaço."
Marc Bloch

Agora que fiz essa introdução farei o detalhamento da seguinte questão, expressa na lei:
Art. 1 - Fica instituído feriado o dia 29 de junho tendo como motivo principal a data em que a Câmara de Vereadores aderiu a pedido de Cachoeira à atender ao pedido vindo do Rio de Janeiro para aclamar Dom Pedro de Alcântara, príncipe regente do Brasil, consolidando assim, um marco da independência do Brasil e posteriormente da Bahia. 
Art. 2 - Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação. Revoga-se as disposições em contrário. Veja o vídeo.

Todos nós sabemos que a luta pela Independência tem como marco o dia 25 de junho de 1822, mas antes de tudo acontecer, os ânimos já acirravam a um bom tempo. Todavia, o dia 29 de setembro de 1821, quando Portugal decreta que o Brasil estaria subordinado ao Reino Português e marca o retorno do príncipe Regente, os brasileiros sentiram a oportunidade.

A partir daí, diversas situações ocasionaram um situação de conflito entre portugueses e brasileiros e Madeira de Melo conseguiu ocupar militarmente a cidade de Salvador. Madeira de Melo, inclusive, adota uma política que visava obter apoio local na Bahia unida a Portugal. No dia 18 de março de 1822 chega à Bahia o reforço português, esta tinha sido expulsa do Rio de Janeiro pelos acontecimentos do Fico e ordem do príncipe dom Pedro.

Diversas famílias começaram então a abandonar Salvador, direcionando-se para São Francisco do Conde, Cachoeira, Santo Amaro e Maragogipe. Em abril já existiam várias conspirações contra o brigadeiro Madeira de Melo.

De março a junho de 1822, atos direcionaram diversos proprietários de engenho e plantações de cana-de-açúcar, oficiais militares e intelectuais na posição a favor do reconhecimento da regência deixada no Rio de Janeiro pelo rei dom João VI e aceitação da autoridade do príncipe dom Pedro. Esse partidários tentaram, no dia 12 de junho de 1822 reconhecer a autoridade do príncipe na Câmara da cidade de Salvador, mas houve bloqueio das tropas portuguesas e a reunião foi proibida. Dois dias depois, em Santo Amaro reuniram-se diversas pessoas e a Câmara decidiu "Que haja no Brazil hum centro de Poder Executivo; que este Poder seja exercido por sua Alteza Real e Príncipe Regente".

A partir desse momento, é possível encontrar uma sequencia de preparativos em reconhecimento da autoridade do príncipe dom Pedro. No dia 24, em Belém, Cachoeira houve uma reunião secreta. O ato seguinte, no dia 25 de junho, foi a oficialização na Câmara de Cachoeira que decidiu aclamar S.A.R. por regente e Perpétuo defensor e protetor do Reino do Brasil. Foi lavrada a ata e quando celebravam o Te Deum a escuna canhoneira enviada por Madeira de Melo disparou o primeiro tiro contra a vila.

No dia 26 de junho, formou-se a primeira junta Interina, Conciliatória e de Defesa e nela Antônio Pereira Rebouças, maragogipano, já se fazia presente. Enviou-se mensageiros para todas as vilas e povoações para informa-lhes a aclamação do príncipe e as hostilidades portuguesas já declaradas pela escuna canhoneira. Neste mesmo dia, a Câmara de Maragogipe já ciente dos atos de hostilidades decidiu que "No reino do Brazil deve residir hum único Centro de Poder Executivo na Pessoa do Príncipe Real" (TAVARES, cap. XVI do livro História da Bahia) e como mostra o documento abaixo. Que demonstra inclusive, a insatisfação dos maragogipanos e o desejo de separação da vila de Jaguaripe, institui diversos artigos a serem colocados em prática pelo príncipe Regente e exige a retirada das hostilidades portuguesas e outros pontos mais. Leiam documento abaixo, depositado no site objdigital, nº 108 (Clique aqui para visualizá-lo completo):



No dia 29 de junho de 1822, os diversos representantes das vilas enviaram documento à Câmara da vila de Cachoeira propondo a ampliação das atribuições da Junta e se transformassem em governo militar e civil legítimo para todas as vilas do Recôncavo e neste dia aclamaram dom Pedro como regente constitucional do Brasil as Câmara de São Francisco do Conde e Santo Amaro.

O que o Blog Vapor de Cachoeira fez foi com base nos documentos que dispunha em mãos, colocar Maragogipe em evidência no dia 29, acontece que o documento reproduzido no blog, e depositado no site objdigital, nº 109 (Clique aqui para visualizar o documento completo) descreve:

  1. um pedido da Câmara de Maragogipe, e não o contrário, para que a Câmara da vila de Cachoeira aderisse ao pedido de aclamação do príncipe regente. E como todos já sabem, o mesmo já tinha ocorrido no dia 24 em reunião secreta e no dia 25 na Câmara de Cachoeira, em que se instalou a primeira junta a qual esse pedido foi anexado.
  2. ainda com referência a primeira ata, (perceba que o Blog Vapor de Cachoeira reproduz duas atas que estão localizadas na Gazeta do Rio, nº 109) a Câmara diz: "e por este foi dito que as instâncias do povo desta vila tinhão, e vinhão a requerer que se fizesse vereação, para o fim de que com a assistencia deste Senado se aclamasse S.A.R. o senhor príncipe D. Pedro Regente e Perpétuo defensor e Protetor do Brasil, na forma já aclamado no Rio de Janeiro". Perceba a marcação em vermelho, e leia bem, tinhão, e vinhão. Ou seja, a Câmara Maragogipana tinha tomado sua decisão antes do acontecimento e requeria que a Câmara de Cachoeira tomasse uma decisão, já tomada, claro e óbvio.
  3. a segunda ata, é novo pedido da Câmara de Maragogipe, e do povo presente na praça pública que se faça uma junta conciliatória de defesa para cuidar dos habitantes destas terras.
Percebe-se portanto, com a leitura dos dois documentos, apesar desta postagem só citar um, o outro está redirecionado. Que é a Câmara de Maragogipe que requereu da Câmara de Cachoeira uma tomada de decisão, acontece que naqueles tempos, a demora na entrega de documentos, faz com que decisões tomadas por um, choquem-se com as tomados por outra cidade, sendo assim, houve quase que simultaneamente o pedido entre Maragogipe e Cachoeira, o primeiro com um certo atraso, mas a sua importância foi tanta que ficou registrado nos autos da Gazeta do Rio (Clique aqui para visualizar todos os jornais do acervo digital do jornal Carioca de 1822)

Sendo assim, é no dia 26 de junho e não no dia 29 que Maragogipe aderiu a independência, exigindo inclusive, o fim das hostilidades portuguesas que já vinham bem antes do dia 25 de junho em Cachoeira.


Zevaldo Luiz Rodrigues de Sousa
Professor de História e estudante de história da UFRB
Especializando-se em História Reginal, 
focando seus estudos na cidade de Maragogipe

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