Fichamento: "Virtudes brancas, pecados negros: Estratégias de Dominação nas colônias portuguesas" de Isabel Castro Henriques
por Zevaldo Sousa
Mas a história européia, como eles mesmos descrevem é uma história de transformação, de mudança, que está modificando-se constantemente, logo, vimos que no início do século XX ocorreu a “independência das colônias europeias e o fim das situações coloniais em África” (Idem, p.299), mas Portugal continuará a insistir em colonizar a África, sustentado pelas mesmas ideologias coloniais, ele se manterá em África até 1975. Assim através da historiografia oficial, procurará “sobretudo demonstrar a ação civilizadora que os portugueses desenvolveram nas suas colônias, com base numa vocação particular e numa capacidade especificamente lusa de estabelecer relações de interpenetração biológica e cultural com os outros povos do mundo, em especial, os africanos.” (Idem, p.300), este talvez será o argumento central para manter os portugueses dominando territórios africanos por tanto tempo, existiram outros que explicitaremos, mas enquanto outros países europeus muito mais desenvolvidos tecnologicamente e economicamente em relação a Portugal, estavam deixando sua política colonial, Portugal insistia, dizia que por ser menos desenvolvido com relação a esses países poderia manter suas colônias, pois, “o sistema colonial português apresentaria, contrariamente dos outros, um caráter não econômico e consequentemente menos brutal, desinteressado e humano” (Idem, p.301), outro aspecto interessante a ser marcado na relação portuguesa x africana que ficamos a nos perguntar é: Será que os africanos concordavam com esse argumento?
As ideologias coloniais já estão enraizadas no imaginário europeu. Imaginário este que traz consigo “virtudes ‘brancas’, pecados ‘negros’” (HENRIQUES, 2004, p. 299), como o próprio título do texto sugere, por isso, a dominação da África é legitimada através de leituras e interpretações eurocêntricas, criando, construindo, ou melhor, inventando idéias, mitos, imagens “capazes de justificar as ações e as agressões colonizadoras” (Idem, p. 299), além disso, a sociedade colonizada era apresentada no mundo civilizado como uma sociedade sem história, sem civilização, como seres inferiores, era um sociedade inativa, passiva, apática, ou seja, uma sociedade que não era capaz de se mobilizar, de transformar, de intervir no seu próprio processo evolutivo, esses são exemplos de como a sociedade européia recebia e olhava a África.
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A dissimulação das evidências ou a construção dos mitos.
Vimos que Portugal não quis deixar suas colônias africanas, queria manter a sua ação imperialista em diversas regiões do continente, devido a grande perda, no século XIX, com a independência de sua colônia portuguesa na América, o Brasil e com a redivisão do mundo com outros países imperialistas. Agora veremos que “ao longo do século XX, a África foi progressivamente ocupando um lugar central na vida portuguesa” (Idem, p.302), Portugal agora estava economicamente dependente da África e irá utilizar os argumentos acima citados para se manter em África, esses argumentos serão tão fortes que incrustou nos pensamentos dos portugueses e de “alguns africanos”, garantindo assim, esse sistema ideológico, com isso portugueses de várias posições sociais preservaram essa ideologia que foi passada ao longo dos anos, através de um discurso dicotômico, que prevalece as virtudes portuguesas contra os pecados africanos, “estávamos perante as idéias basilares que durante décadas orientam o discurso oficial e sustentaram o colonialismo português em África” (Idem, p.304). Que idéias eram essas? A ideia da negatividade africana; da missão civilizadora; do pioneirismo português; da presença multissecular; da habilidade designadamente lusa de estabelecer relações de interpenetração biológica e cultural; da ausência de racismo dos portugueses, essas idéias são o cerne da ideologia colonial portuguesa do século XX. “As quatro primeiras ideias são então difundidas como forma de lutar contra a espoliação de Portugal de um grande império africano pelas outras potências europeias e exaltar nos portugueses um forte sentimento nacional” (Idem, p.305), “As duas últimas ideias integram o sistema... com o desenvolvimento do anticolonialismo internacional e o desencadear do processo que levou às independências africanas.” (Idem, 305), para reforçar essa ideologia, teses do luso-tropicalistas surgem na década de 50, com fins de justificar e legitimar a permanência portuguesa na África.
Os mitos e a política colonial fases da sua evolução.
Essa ideologia citada acima não apareceu do nada, ela foi construída ao longo dos anos, reforçada, manipulada, corrompida, a autora estima que no início do século XX, mas creio que estas práticas vêm desde o início das explorações ultramarinas portuguesas ou mesmo antes. Com a implantação da República, foi criado o Ministério das Colônias (1911), criado com a finalidade principal de garantia da “ocupação, pacificação e administração das regiões do interior” (Idem, p. 307) com a cobrança de impostos e estabelecendo uma Lei Orgânica para as províncias ultramarinas portuguesas, esse “é o momento da sistematização dos princípios básicos que durante décadas, irão nortear a política colonial portuguesa e definir as formas de administração de cada colônia” (Idem, p. 307), assim Portugal dá passos decisivos para a exploração das riquezas e da mão-de-obra africana. Portugal então entrava na África com unhas e dentes com a finalidade de crescer à custa da segunda, através da “política colonial que visava o crescimento econômico da colônia como meio indispensável à estabilidade da economia metropolitana, articulava-se com uma política de povoamento branco, que se veio a intensificar a partir dos anos 60.” (Idem, p.308), mas essa é a interpretação portuguesa, devemos, contudo verificar a africana, ou pelo menos, uma visão contrária.
Acerca do “trabalho e do ensino para o preto” ou a evidência da exploração portuguesa.
Ilustres exploradores se assustam com a aparente brandura dos portugueses em sua relação com o “negro”, Capello e Ivens (1886) é um exemplo disso, ele irá falar: “Isto de reger colônias... de collocar o negro ao abrigo de leis benéficas e deixar este na ociosidade levando uma vida licenciosa... é assaz reprehensível sob o ponto de vista moral e econômico...” (Idem, p.310), essa afirmação vai por em evidência as noções centrais da ideologia colonial, criticando à brandura das autoridades portuguesas, à sua incapacidade de valorizar os territórios colonizados e cumprir a missão civilizadora. Porém esta ilusória brandura irá ser varrida com a estruturação do sistema colonial e com as sucessivas leis do trabalha indígena que desde Ao final do século XIX, procuraram enquadrar o africano, obrigá-lo ao trabalho em benefício exclusivo dos colonizadores.
Paiva Couceiro, em 1898, estudou a colônia de Angola e nos legou a seguinte conclusão: “Impor o trabalho ao africano através de meios ‘brandos ou enérgicos’ é um dever dos colonizadores que igualmente devem ‘diffundir a religião e a instrucção’ acções estas que não só legitimam a violência como garantem uma docilidade e uma mais rápida inserção do africano no sistema que o explora” (Idem, p.312), se encaixa perfeitamente na idéia de Henriques que irá dizer: “Trabalho, imposto e ensino são três variáveis que... vão... garantir a eficácia do sistema de exploração da mão-de-obra africana.” (Idem, p.311) e este modo de explorar se dará de forma natural e protegida pelo Estado português, através de leis, atos e estatutos que iram regular a vida nas colônias ultramarinas portuguesas. Mas essa forma irá ser substituída por um discurso que procura dissimular a realidade.
Com o Ato Colonial de 1930, houve uma reforma na Política Indígena, integrando os africanos na Nação Portuguesa, principalmente no campo jurídico, eles teriam os mesmos direitos e deveres dos portugueses de origem.
Acima vimos que o ensino e a educação, “eram apresentados como mecanismos fundamentais para incentivar no ‘indígena’ o gosto pelo trabalho, agora, são considerados meios indispensáveis para a concretização do projeto português de assimilação dos africanos. Mas na prática, todo o ‘ensino para o preto’ era orientado para o trabalho em benefício do branco” (Idem, p.313), vemos então que, não era somente a separação do ensino, mas também havia uma distinção entre escolas dos negros e dos brancos, na prática foi assim, “tratava-se de um ensino de caráter eminentemente prático, essencialmente virado para as actividades ligadas à agricultura e à produção artesanal, relegando para segundo plano qualquer tipo de ensino teórico” (Idem, p.314), esse tipo de ensino somado com o tipo de exploração empreendida por Portugal, fez com os africanos fossem para o campo deixando os ofícios da cidade para os brancos. Há de se atentar que como Portugal era um país cristão católico, e como sua ideologia continha uma missão civilizadora, a Igreja e seus missionários eram quem estabelecia junto com o Estado os moldes para o ensino e a Educação em África portuguesa, assim os africanos recebiam um “ensino especialmente concebido e ministrado pelas missões católicas.” (Idem, p.314). Para os africanos ingressarem no ensino superior era ainda mais difícil, existia uma possibilidade, mas as condições imposta pelo sistema acabava com qualquer expectativa.
O trabalho e a educação encontravam-se impecavelmente articulados, garantindo uma fartura de trabalhadores africanos, a educação para o trabalho garantiu a exploração dos territórios colonizados de forma eficiente, contudo essa situação irá mudar, como sempre, pra pior, com a publicação do Código Rural do Trabalho, em 1962, a situação dos africanos agravou, as regras impostas pelo código fez com que o trabalhador contratado transforma-se em trabalhador forçado, não só pelas regras do sistema que obrigava o africano a pagar imposto, mas também pelo fato dele não ter regalias ou direito algum, além disso ele era “sujeito ao horário e ao sistema de alimentação imposto pelo patrão, aos castigos corporais, à tortura e a prisão, sem assistência médica nem segurança social.” (Idem, p.316), fora isso, o salário prometido nunca era pago e no final das contas ele sempre estava em dívida com o patrão. Essa situação iria se tornar mais dura ainda na década de 70, com o avanço dos conflitos nas colônias em decorrência da guerra e de uma falta de solução a favor dos portugueses.
Por fim, através de uma breve descrição, vimos que os portugueses trazem consigo um conjunto de ideias que constituiriam a ideologia colonial e que esta ideologia obtinha um reforço de determinadas interpretações de documentos, mas é necessário realçar essa ideia, pois não só essa documentação permite como também ela exige uma outra leitura, para que se tenha “uma história certamente diferentes, porque todas são diferentes, e marcada – quem sabe? – por episódios fascinantes e problemas surpreendentes que possam ajudar a esclarecer a longa e completa história do mundo.” (Idem, p.318).
Este foi apenas um fichamento do texto Virtudes brancas, pecados negros. Leia mais em:
HENRIQUES, Isabel Castro. Virtudes brancas, pecados negros: Estratégias de Dominação nas colônias portuguesas, In. “Os pilares da diferença: relações Portugal-África, séculos XV-XIX”. Lisboa: Caleidoscópio, 2004. pp. 299-318.
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