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O Culto de São Bartolomeu em Maragogipe

Por: Dr. Odilardo Uzeda Rodrigues

Foto antiga da Igreja Matriz de São Bartolomeu
O culto de São Bartolomeu nesta abençoada terra das Palmeiras, data dos primórdios da sua vida, da época em que iniciava a sua formação, quando saía das trevas da vida selvagem para iniciar a sua marcha gloriosa na senda do progresso sob o signo o abençoado da Cruz Redentora.

A devoção dos maragogipanos para com o Glorioso Apóstolo vem também dos seus primeiros dias, do tempo em que era ainda uma fazenda pertencente ao luso Bartolomeu Gato.

Cristão sincero e ardente, como todos os seus contemporâneos, o proprietário fez erigir nas suas terras uma igreja onde pusesse, juntamente com os de sua família e agregados, cultuar a sublime religião do Mártir do Golgota, invocando o nome de São Bartolomeu para Padroeiro da nova célula cristã que nascia nas dadivosas terras do gigante sul-americano.

A razão da escolha deste Santo reside no fato de que o mesmo Bartolomeu Gato já era seu devoto e à sua proteção fora posto pelos maiores, como o atesta o seu onomástico.

Maragogipe, célula cristã das mais fervorosas, não deixou jamais de cultuar o nome sagrado do Fiel Discípulo, conservando-o através dos séculos como seu Padroeiro querido.

O autor destas linhas, embora reconhecendo que lhe falece autoridade de historiador, pensa ser muito mais razoável aceitar esta explicação da razão de ser São Bartolomeu o Padroeiro da cidade, do que aquela outra que diz estar no fato de ter aparecido uma imagem do Santo, naquela pedra, que ainda se vê, em frente da igreja.

Esta explicação não passa de fantasia do espírito popular, sempre inclinado a dar origem misteriosas ao objeto do seu culto; nada mais é do que uma lenda, muito semelhante a tantas outras referentes a localidades vizinhas e seus padroeiros, mesmo porque aquela pedra ainda ali está porque representa um dos marcos delimitadores dos terrenos pertencentes à igreja, pois conforme o costume tradicional, delimita-se o terreno que pertencia a um templo toda vez que era erigido, em qualquer localidade, para que o mesmo fizesse parte de seu patrimônio.

A Igreja de São Bartolomeu de Maragogipe é multissecular datando a sua inauguração de 18 de novembro de 1658.

Há 333 anos1 que naquele mesmo templo, Ele recebe as homenagens fervorosas e sinceras deste povo eternamente reconhecido à intérmina messe de bens que Ele esparge sobre as suas almas, pelo cuidado carinhoso com que o ampara nos momentos mais difíceis da sua atribulada existência.

Até o ano de 1764 a Igreja pertencia aos herdeiros de Bartolomeu Gato, por cuja indicação eram nomeados os vigários da Freguesia; mas, em virtude de um acordo do Tribunal neste citado ano, deixou de pertencer ao espólio da família, independente da autoridade do Morgado que o dirigisse, passando a nomeação a ser feita diretamente pelas autoridades eclesiásticas competentes, sem intervenção de pessoa alguma estranha ao clero; a sua administração queremos crer que ficasse desde então, entregue à Irmandade de São Bartolomeu que parece existir desde aquela época; dizemos, parece existir, porque não nos foi possível precisar a época da organização desta importantíssima associação religiosa da cidade, que bem pode merecer a classificação de primeira entre todas.

Bando Anunciador
A Igreja de São Bartolomeu, além de muitas outras preciosidades pertencentes ao seu formidável patrimônio, possui como maior entre todas, pelo seu alto significado cristão, uma relíquia vinda diretamente de Roma, capital do cristianismo universal, e é representada por um pedaço do SANTO LENHO.

A festa celebrada anualmente em louvor do idolatrado Padroeiro conserva ainda hoje o seu aspecto tradicional.2

O primeiro brado de alerta para ela é dado no primeiro sábado de julho, com a distribuição nas ruas da cidade, do pregão do Bando Anunciador, cuja saída triunfal ao som alegre e rítmico de sonoras fanfarras, no primeiro domingo do mês de agosto, convoca a alma cristã da cidade para sua maior festa, despertanto o seu entusiasmo que atingirá o zênite no dia 24.

Com a saída do Bando Anunciador, que em lindos versos revela o que serão os dias consagrados ao culto do Padroeiro, tem início a maior festa de Maragogipe.

Foto interna da Igreja da Matriz
O espaço de tempo que medeia entre a saída do Bando e o início do novenário é vivido ansiosamente pela população da cidade que se prepara caprichosamente para cooperar no maior fulgor o maior dia de Maragogipe.

Inicia-se o novenário. Maragogipe inteiro acorre ao templo todas as noites, genuflexo, homenageando São Bartolomeu e finda a parte sacra, espalha-se pela praça da Matriz para ouvir os sons harmoniosos destas duas grandes espessões do seu passado glorioso: Terpsícore Popular e 2 de Julho, que se sucedem alternadamente no coreto, emprestando também o seu concurso para maior brilhantismo da festa. Estas noites do novenário constituem um espetáculo grandioso e encanador, pois durante elas, a mulher maragogipana deixa extravasar todo o seu sentimento artístico, a sensibilidade da sua cândida e pura, na ornamentação dos altares da secular matriz, ora substituindo-as por outras que as suas níveas mãos tão sabiamente executam.

No domingo que antecede ao dia da festa a cidade é tomada de assalto pela alegria ruidosa das ruas, nas quais o seu povo humilde, vibrando de entusiasmo, brinca extraordinariamente na tradicional lavagem.

Finalmente desponta a aurora do dia 24, tão ansiosamente esperado, e com ela, a celebração de uma missa, à qual comparecem os velhos recordando a infância e também as digníssimas senhoras, cujas obrigações do lar, impedem o comparecimento à missa festiva.

Desde o alvorecer, a cidade, de fisionomia alegre e sorridente, com os seus lares de portas abertas, começa a receber no seio amigo toda corte dos passeantes que de todos os recantos aqui aportam, sequiosos de prestar a sua homenagem ao Milagroso São Bartolomeu.

Maragogipe, nesse dia, converte-se na capital do cristianismo no Recôncavo baiano; as suas ruas engalanadas de bandeirinhas, balançando ao sopro ameno da brisa dos leques farfalhantes das suas palmeiras garridas dão as boas vindas aos irmãos das outras plagas; intenso é o movimento no interior dos lares, onde a família maragogipana desdobra-se na faina de cumular gentilezas aos seus hóspedes.

Às 10 horas do dia, com a maior pompa é celebrado o Santo Sacrifício da Missa, assistindo piedosamente por toda a multidão que invade o augusto templo, que vibra de emoção ouvindo sempre a palavra mágica do pregador sacro discorrendo sobre a vida do Padroeiro.

O espetáculo é digno de ser contemplado na nave do templo, lá está a família maragogipana representada pelas suas lindas filhas irmanadas às suas irmãs recém-chegadas; as filarmônicas locais também irmanadas às suas coirmãs comparecem pra encher os ares com as notas maviosas das lindas peças dos seus repertórios.
Finda a missa, a multidão espraia-se pelas ruas da cidade e durante a tarde, Maragogipe – verdadeira metrópole – vive horas de intensa alegria, que vai esmaecendo à medida que chega o momento do retorno das luzidas delegações, que partem deixando na alma boníssima dos maragogipanos uma saudade infinda, apenas consolada pela lembrança de que no ano vindouro retornarão.

São Bartolomeu saindo da Igreja em Procissão
Na segunda-feira, à tarde, vem à rua em artística charola, acompanhado por toda a multidão dos seus fiéis devotos e ao som dos acordes musicais da Terpsícore Popular e 2 de Julho, a imagem sacrosanta ao Apóstolo querido que mais uma vez recebe, ao passar pelas artérias da cidade, as homenagens sinceras de todos os seus filhos. É sempre incalculável o número de fiéis que acompanham a procissão.

Na terça-feira, último dia dos festejos, é queimado no largo da Matriz, artístico fogo de planta, com o qual encerra-se a festa, deixando no coração dos maragogipanos a certeza de ter cumprido um dever sagrado e o desejo de cumpri-lo novamente no ano seguinte, com maior zelo e fulgor, pois a única diferença notada nas festas que sucedem anualmente é o desejo sempre vivo de superar o ano que passou.

Glória a São Bartolomeu! Hosanas a Jesus Redentor, que revelou ao mundo cristão a personalidade augusta do Padroeiro de Maragogipe!

Notas: (por: Zevaldo Sousa)
  1. Esse texto foi adaptado ao contexto em que foi publicado no livro “A Vida de São Bartolomeu” (Obra Póstuma - 1991), sendo escrito antes de 1983. Ano do falecimento de Dr. Odilardo Uzeda Rodrigues.
  2. Devido as circunstâncias em que o texto foi escrito, cabe aqui salientar que, a festa perdeu muito de sua característica tradicional, sendo incorporado shows e outros eventos que não faziam parte dos festejos.

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