Carlos Laranjeira
-Toma e lê.
Assim, o jornalista Bartolomeu Americano, que por mais de três décadas dirigiu o jornal Arquivo, de Maragogipe, ofereceu-me o livro Oração aos Moços, de Rui Barbosa.
Primeiro livro que eu li, do início ao fim e repetidas vezes a ponto de memorizar alguns de seus trechos, marcou profundamente o meu desenvolvimento na leitura, que havia se iniciado com os gibis.
Americano não era só o dono do jornal Arquivo, que levava as notícias da cidade até onde morasse um maragogipano, era também um dos representantes locais do velho Partido Social Democrático, o PSD, que havia sido fundado em 1945. Na Bahia, o PSD elegeria governadores Régis Pacheco e Antônio Balbino e até o seu desaparecimento, durante a ditadura militar, possuía como militante mais ilustre Waldir Pires.
Em Maragogipe, o principal militante dessa legenda foi Juarez Guerreiro, no fundo da casa de quem Americano morava, no Caminho do Cajá, com a esposa dona Bembem, a filha Lúcia e o genro João, que trabalhava na fábrica Suerdieck. Por onde transitava, inclusive ao sair da fábrica às 5 da tarde para ir ao campo da Glória assistir peladas, João atraía o olhar feminino, algumas moças aliás saiam à porta para vê-lo passar, pois ele tinha um corpo sob medida, inclusive o chamavam de João Marta Rocha em alusão à Miss Bahia, Miss Brasil e vice Miss Universo, Marta Rocha. Mas João era um homem sério, dedicado à mulher, Lúcia, e não dava bolas para essas coisas.
Foi durante os governos de Regis Pacheco e Antonio Balbino, que Americano exerceu a delegacia de polícia da cidade. Ele tinha como escrivã uma moça de nome Dete, irmã de Gerson, que se transferiu para Cubatão, SP, há décadas, e Dete – moradora próxima à casa dos irmãos Zequinha e Bartolomeu Teixeira – era uma dedicada funcionária do estado na qual Americano tinha confiança na redação de autos e termos de processos. Ela também trabalharia com outros delegados como André de Paschoal, pai de Fefeu e Santinho Guerreiro que, após a morte do primo, Juarez, mudou de lado, passou a integrar a União Democrática Nacional (UDN), cujas publicações eu distribuía na cidade a mando de papai, Bartolomeu Laranjeira, membro dessa legenda.
Fosse sábado ou domingo, Americano andava de chapéu, paletó e gravata, com uma bengala. Os seus amigos eram a família de Cid Seixas, os poetas Osvaldo Sá e Ermezindo Mendes (dos irmãos Osvaldo e Fernando Sá, dono da Tribuna de Maragogipe, eu me aproximaria), de Ermezindo, não. Eu menino andava com Americano, que à noite sentava à porta de Ermezindo na praça que hoje tem o seu nome e eu tomava assento no passeio, para cheirar a conversa dos dois.
Ermezindo indagou de Americano:
-Quem é esse menino?
-É filho de Memeu Laranjeira. Ele quer ser jornalista.
O poeta, de baixa estatura e ligeiramente gordo, soltou uma gargalhada ruidosa e prolongada. Dias depois, ele me ofereceu um livro em brochura e recitou na sala da casa uma poesia de sua autoria, titulada, salvo engano, Terra das Palmeiras.
Mas, Americano não andava de paletó e gravata no inverno ou no frio, no domingo ou em dias da semana, para impor respeito, não. A sua presença infundia um acatamento difícil de se ver hoje em dia, pois ele, pela autoridade que representou na cidade ou pelo próprio temperamento, mantinha distância de certas pessoas, não sentava em bancos na praça para falar ou dar ouvidos às conversas da vida alheia e raramente parava em portas de família para bater papo. Após bater um papo com Osvaldo ou com Ermezindo, descia o Caminho do Cajá em direção a sua casa.
Foi um homem de comportamento exemplar que exerceu influência nos jovens da minha geração, aos quais ensinou a respeitar as figuras históricas da cidade como Dom Antônio Macedo Costa, o poeta Durval de Moraes, o conselheiro Antônio Pereira Rebouças e difundiu o nome de Maragogipe durante décadas. Não sei como esse homem até hoje não recebeu uma homenagem digna da sua existência.
Jornalista, Carlos Laranjeira é autor de livros. Nascido em Maragogipe, encontra-se em São Bernardo do Campo desde 1973.
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