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A minha experiência como professor de história num Curso de Turismo-Étnico em Maragogipe

Por Zevaldo Sousa

Tratar sobre temas como Identidade, Cidadania, Diversidade, Tolerância e Respeito num curso de História é de extrema importância para a formação do “cidadão crítico”, e essa formação conduz ao que historiador André Segal afirmava que a História “forma cidadãos comuns, indivíduos que vivem em presente contraditório, de violência, desemprego, greves, congestionamentos, que recebe informações simultâneas sobre acontecimentos internacionais, como as guerras, que deve escolher seu representante para ocupar cargos políticos instituicionais”. Esse indivíduo que vive o presente deve, pelo ensino de História, ainda segundo Segal “ter as condições de refletir sobre tais acontecimentos, localizá-los em tempo conjuntural e estrutural, estabelecer relações entre os diversos fatos de ordem política, econômica e cultural, de maneira que fique preservado das reações primárias: a cólera impotente e confusa contra patrões, estrangeiros, sindicatos ou o abandono fatalista da força do destino.” (“In Ensino de História” por CIRCE BITTENCOURT, 2008, p. 121-2).

Com isso, preparamos o cidadão com a finalidade de ter uma formação política, intelectual, e humanística. Todavia, essa base da História, enquanto disciplina, que deveria ter existido, ou melhor, e ter sido aplicada no ensino regular dos alunos que ingressaram no Curso de Turismo Étnico-Afro (Empreendedorismo - Vespertino) não ocorreu, ou pelo menos, não aparentou nos discursos de grande parte dos estudantes.

Primeiro, porque vieram para o curso com um preconceito muito grande com questões relativas à vida em sociedade, ao coletivo, às religiões de modo geral, e à sua condição social. Mas mesmo assim, estes estudantes, trouxeram para dentro da sala de aula, vivências que contribuíram e muito para o debate da História e da sua condição de cidadão. Apesar de ter ciência de que com 40 horas de ensino, eu não teria condições, de formar nos alunos uma opinião crítica dos assuntos tratados em sala de aula, esperei criar, pelo menos, as bases para o sucesso deles, enquanto empreendedores. Para isso, coloquei meus conhecimentos de História na mesa de discussões, assim como o meu exemplo ter sido um Empreendedor em Maragogipe com uma lanchonete na Praça da Matriz, e com os diversos cursos de Empreendedorismo que fiz, a exemplo da Oficina promovida pela Ethos Humanus, empresa que está fazendo da interação comunidade de Maragogipe com o Estaleiro Enseada do Paraguaçu, em São Roque.

Com isso, resolvi extrapolar o material enviado pelo Instituto, e usar a criatividade, até porque, todo empreendedor deve ser criativo e como escrevo sobre a História de Maragogipe há quase quatro anos, explorei bem a ideia que o MEC oferece nos Parâmetros Curriculares para o Ensino Médio (PCNEM), além da interdisciplinaridade, procurando desenvolver nesses alunos competências e habilidades para que os mesmos percebam o quão é importante do estudo de História na construção de suas vidas, e até porque o empreendedor deve de maneira holística, pensar e agir, sempre com obsessão pelas oportunidades, balanceando por um espírito de liderança.

A questão que norteou o aprendizado, portanto, foi: Como fazer com que esses alunos, que não tinham uma bagagem robusta, entenderem que a História é importante para o curso que escolheram?

Com base nesses princípios fui à sala de aula, convidá-los para um estudo mais aprimorado e instigador. Nas primeiras aulas, como sempre, precisei fazê-los refletir sobre as questões fundamentais para o estudo de História, para isso, apresentei através de explanações os conceitos sobre Tempo, Espaço, Humanidade e Cultura. Até porque, nestas primeiras aulas, os estudantes não tinham nenhum material de estudo, mas logo nas aulas subseqüentes, já com o material didático do Instituto, tratei sobre pontos importantes para o entendimento e formação do cidadão crítico, citado no início do texto.

Com isso tratei sobre temas importantíssimos no ensino de História como: Identidade, Cidadania, Diversidade, Tolerância e Respeito, além de outras aulas que tratei sobre os conteúdos que estavam no material. Que considero de extrema importância para o conhecimento da história da Bahia, mas que preferi colocá-los num segundo plano, pois entendia que para àquele curso em questão, e para àqueles estudantes seria interessante focarmos nos assuntos relevantes para a formação do senso crítico.

A questão da Identidade é exemplo, e sei que foi de extrema importância para os alunos o reconhecimento da sua Identidade Individual, que está dentro de um contexto Identitário Coletivo. Para isso, é preciso respeito ao outro que não conheço, não sei das suas dificuldades e problemas, mas que julgo sem lhe dar ao menos, o direito de se defender. Nesse caso, debatemos questões religiosas e as relações e visões que o Candomblé, o Catolicismo e o Protestantismo têm um do outro, explicando que muitas dessas visões são preconceituosas e só gera intolerâncias e guerras.

Outro caso, que foi de extrema importância para o debate em sala de aula, foi a questão da discussão do Gênero, Diversidade e da Homossexualidade, tema esse que gerou debates controversos, mas que chegaram a um denominador comum, quando lembrei aos estudantes que não podemos ser intolerantes e devemos respeitar a opinião do outro, por não conhecer quais são as suas dificuldades e problemas.

Com esse pressuposto teórico-metodológico acredito que fiz os alunos continuarem em sala de aula e realmente ter um interesse no curso que escolheram, mas que por ironia do destino, não vingou.

Carnaval
Vale ressaltar a importância que dei ao estudo da História de Maragogipe passei diversos filmes e documentários que ilustram bem a história do município e seus produtos, neste momento pensando historicamente com uma maneira empreendedora. O Carnaval de Maragogipe, a Festa de São Bartolomeu e Os Veleiros do Recôncavo foram temáticas pertinentes ao contexto turístico-histórico do curso. Neste momento, mostrei para eles a importância da visão que o frânces Dimitri Ganzelovich tinha sobre o Carnaval de Maragogipe e que era praticamente a mesma de outros turistas que chegam ao município, neste momento, e que era preciso, para eles como empreendedores, estarem atentos e usando sua criatividade poderiam ser bem sucedidos. Na visão do Dimitri, o carnaval, as máscaras e identidade do maragogipano, por si só, ganham qualquer pessoa, ele não aceitava trios elétricos e outros tipos de investimentos na cultura maragogipana, mas queria preservar o modo antigo de se divertir. Para quem é empreendedor, o Dimitri dá a grande sacada do Carnaval de Maragogipe e de outras festas como o São João e a Festa de São Bartolomeu, e o cidadão que reconhece a identidade coletiva da cidade poderá viver tranquilamente bem, explorando essa cultura, não importando, neste caso, religião, raça, cor, partido político, ou posição social.

Outro ponto importante que tratei foi sobre a questão dos Veleiros de Maragogipe, e da oportunidade que os mesmos podiam ganhar se souber explorar, de modo aliado ao pescador, dos passeios sobre o rio Paraguaçu. Enquanto ele teria o conhecimento histórico do local, servindo de Guia Turístico, o pescador teria sua habilidade com o mar. Quem ganharia com isso? Todos. O turista, o pescador e o estudante que resolveu investir na exploração da História de Maragogipe e do Recôncavo que é rica e engenhosa.

Fiz um breve apanhado sobre a formação do município de Maragogipe, Cachoeira e Santo Amaro e busquei de forma integrada, conciliar com o conteúdo programático do material didático ofertado pelo Instituto.

Suerdieck
Neste ínterim, levei os estudantes para fazermos uma rápida visita, com olhar histórico, pela cidade de Maragogipe, local que conheciam bem, mas que desconheciam detalhes pequenos que poderiam ser grandiosos quando bem explorados. Partindo do Porto Pequeno, fui apresentei a eles, o caminho pelo qual Dom Pedro II passou, junto com a rainha em Maragogipe, apresentei também um pouco da história dos prédios históricos da Suerdieck, Dannemann, das Filarmônicas Terpsícore Popular e Dois de Julho, do Coreto, da Igreja de São Bartolomeu, das doações diversas feitas pelos Suerdieck a Maragogipe, do Mercado do Areal e do Hospital. Foi uma experiência enriquecedora, que os alunos gostaram muito e que desejaram outra, mas o tempo era curto e não deixou.

No retorno pedi para os alunos escreverem no seu caderno, o que foi de novo que aprenderam com aquela aula ao ar livre e quais foram às oportunidades que visualizaram para eles ingressarem dentro de um empreendimento.

A partir daqui, já finalizando o curso, entreguei alguns materiais, livros e experiências que descobri na internet e que acreditei ser de extrema importância para o conhecimento dos mesmos, pois estava aliada ao contexto do curso. Despedi-me da turma com um desejo imenso do sucesso fazer parte da vida deles e na certeza de ter contribuído e muito para a sua formação crítica e tenaz da história.

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