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Paulo Fonteles Filho: Resposta a coluna “A Bolsa Ditadura não chegou ao Araguaia” do jornalista Elio Gaspari


Acabo de ler, em São Geraldo do Araguaia, a coluna “A Bolsa Ditadura não chegou ao Araguaia” do jornalista Elio Gaspari publicada neste domingo (31) na Folha de S.Paulo — um dos mais proeminentes jornalões do país.

Por Paulo Fonteles Filho*

O jornalista que há anos tem se dedicado ao tema da repressão política brasileira, já na chamada da matéria revela quais as posições que irá defender submetendo centenas de milhares de brasileiros ao consumo de opiniões estranhas e elitistas. Tudo isso acontece no bojo do debate que vai crescendo na sociedade brasileira sobre a aprovação (ou não), pelo Congresso Nacional, da Comissão da Verdade, instrumento fundamental para a elevação da vida democrática do país.

Particularmente chama a atenção o jocoso termo “Bolsa Ditadura”.

O centro do problema ensejado no título é a crença de que reparação às vítimas da quartelada de 1964 é uma mordomia para aqueles que foram duramente perseguidos pelos estreludos generais de então.

As distorções não correspondem ao conjunto de uma ação governamental mais ampla e politicamente importante, de reconhecimento de que durante todo um período histórico os brasileiros, milhares, foram vítimas de um Estado arbitrário e terrorista.

Conteúdo quente em boa letra transforma-se em arma poderosíssima, ensinam os mestres.

No fundo o problema é sempre de reconhecimento. E isso incomoda parcela significativa das nossas elites porque a noção das violações cometidas contra o nosso povo e sua humanidade são tão graves e contundentes que o país não poderá conviver com a impunidade.

Ademais, reconhecimentos “só se podem obter por meio do processo e castigo aos responsáveis”, ensina Juan Mendéz, relator especial da ONU Contra a Tortura.

Talvez, por isso, alguns defendam as “Ditabrandas”, rebaixando as infames câmaras de tortura em cascudos nos meninos travessos brincando de tomar o poder político em dias ensolarados.

O trabalho da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça tem revelado ao Brasil o nível do arbítrio perpetradas pelos que comandaram o país por longos vinte e um anos. E isso incomoda, muito.

Incomoda também a verdade como ela é, sem falsificações.

O jornalista Elio Gaspari nos dá um dado estarrecedor do massacre de “cerca de 60 pessoas”, todos guerrilheiros.

Aqui a questão de fundo é a história oficial.

Tal interpretação elimina por completo o entendimento de que a violência perpetrada só atingiu os jovens combatentes que vieram para a Amazônia lutar pelas liberdades e não alcança o que de fato ocorreu pelas matas paraenses, de que os camponeses foram duramente atingidos.

Não sabe o jornalista de que podemos ter mais de centenas de casos de camponeses fuzilados. Há poucos meses no escopo deste trabalho de buscas aos restos mortais dos heróis do Araguaia — na qual participo — coordenado pelo governo federal tivemos a informação de que 17 castanheiros foram destroçados em São João do Araguaia em 1974.

Foi preciso doses cavalares de violência contra os amigos do “Povo da Mata” para que a guerrilha fosse derrotada. Naquele terrível processo os camponeses pobres se tornaram inimigos centrais das leis de segurança nacional.

Com o mesmo conteúdo oficial procura estender aos organizadores da guerrilha, o PCdoB.

Diz, para a catarse dos lobos felpudos da direita brasileira que o principal dirigente comunista brasileiro dos últimos quarenta anos, João Amazonas, havia covardemente abandonado o seu posto de luta. Assim como Arroyo, principal dirigente militar dos comunistas naquela experiência histórica.

Quando ouço tal destempero fico pensando que nossas elites torceram muito para que Amazonas tivesse sido preso, torturado, retalhado e jogado em vala clandestina para que ninguém o encontrasse como fizeram com o Grabois.

O jornalista parece não se conformar com o fato de Amazonas ter sobrevivido.

Melhor seria se aquele maldito comunista tivesse caído nas mãos da comunidade de informações, não é? Como faria bem ao velhinho bolchevista uma estadia básica na Barão de Mesquita ou na “Casa da Judiaria” , infame câmara de torturas da Base Militar de Xambioá.

Bom, a lógica está desbotada pelo uso sem critérios: matamos moralmente aqueles que não matamos sob tortura. E isso, vai me parecendo coisa de Ustras, Lícios e Curiós, para citar os vivos.

Por acaso agora os representa, Elio Gaspari?

Será por isso que poupas o verdadeiro autor da ação que suspendeu as reparações dos camponeses, o caricato fascista Bolsonaro?

Deves conversar muito com os generais Abreu, Bandeira e Viana Moog através daquelas cartas do além. Foram eles que te pediram para interpretar tão sórdido papel?

Minha mãe, presa e torturada no PIC de Brasília costuma dizer que os violentos devem tremer no túmulo quando sabem que ministros se misturam ao povo, porque nem ministro, nem presidente deve se misturar à ralé. Ainda mais com camponês amigo de guerrilheiro.

Ela, que peitou o estreludo General Bandeira, grávida deste que vos fala aos ouvidos, fez o comentário à época em que o Tarso Genro esteve na pequena São Domingos do Araguaia no ato de reconhecimento aos pobres do Araguaia.

Agora a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, é alvo da graciosidade do pai do Eremildo.

Deve ser porque a gaúcha, que suava em bicas sob o sol amazônico, se comprometeu em ajudar na luta das centenas de lavradores perseguidos do Araguaia e deu, a esses homens e mulheres destes sertões de nacionalidade profunda, a atenção que eles merecem.

Outra coisa, especulo cá com meus botões, é o fato de que Maria do Rosário está determinada em realizar duas coisas, dentre as tantas que sua pasta enseja: entregar às famílias os restos mortais daqueles que tiveram desaparecimentos forçados e a instalação da necessária Comissão Nacional da Verdade.

Se a ministra gaúcha ficasse em gabinete apreciando chimarrão jamais estaria no corolário gracioso dos oficiais porta-vozes de jornalões.

Ademais, os camponeses não precisam das coletas dos samaritanos de plantão, porque isso para eles é perpetuar as humilhações e indignidades.

Os camponeses exigem justiça e reconhecimento.

A patuléia, nesse caso, adquiriu pessoa e postura.


* Paulo Fonteles Filho é pesquisador da Guerrilha do Araguaia

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