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Fichamento de Texto: Definição do Fenômeno Religioso e da Religião, Émile Durkheim

Por Zevaldo Sousa

No livro "Definição do Fenômeno Religioso e da Religião" escrito por Émile Durkheim, o autor tem por objetivo “saber qual a religião mais primitiva e a mais simples” (p. 3), para isso ele busca definir, o que convém entender por religião, para não sairmos por aí chamando de religião qualquer “sistema de idéias e práticas que nada teria de religioso, ou deixar de lado fatos religiosos sem perceber sua verdadeira natureza” (p. 3).

Para isso, devemos ter cuidado ao procurarmos definir uma religião como a primeira e também devemos ter cuidado ao definir um sistema de idéias como religioso, a saber, é imprescindível e aceitável que podemos apontar um número de sinais exteriores, que permita estar reconhecendo os fenômenos religiosos onde quer que se encontrem, e impedindo que os confundamos com outros, na verdade é que os seres humanos foram obrigados a criar a noção do que é religião e religioso, mesmo que não acreditemos em alguma religião, nós precisamos “representar de alguma maneira as coisas no meio das quais vivemos, sobre as quais a todo o momento emitimos juízos e que precisamos levar em conta em nossa conduta.” (p. 4). Com isso, o autor propõe uma comparação de todos os sistemas religiosos que conhecemos, mas para isso devemos deixar de lado nossas concepções usuais que pode não deixar ver as coisas como devemos vê-las.

Durkheim refuta a idéia de que tudo que é religioso deve vir do sobrenatural, e por isso, vem de um mundo do mistério, incognoscível, enigmático, incompreensível. Se tomássemos como base essa idéia mostraríamos que a religião é “uma espécie de especulação sobre tudo o que escapa à ciência e, de maneira geral, ao pensamento claro” (p. 5). Essa idéia da religião como algo misterioso e inexplicável faz com que sinta-nos  obrigados a tentar dar uma explicação.

Por isso, ao longo do texto Durkheim tentará, com a ajuda das ciências positivas e da sociologia refutar essa idéia. De início ele demonstra que esse conceito é recente, para o determinismo universal a idéia do sobrenatural está assim exposta, se existem certos fatos que são sobrenaturais, é porque sentimos “que existe uma ordem natural das coisas, ou seja, que os fenômenos do universo estão ligados entre si segundo relações necessárias chamadas leis” (p. 7), e se algo esta fora dessas leis, também está fora da natureza, e com efeito também da razão, pois só entendemos como racional aquilo que está presente na natureza, o argumento utilizado contra é que “os acontecimentos mais maravilhosos nada possuíam que não parecesse perfeitamente concebível” (p. 8), eles não viam nessas maravilhas uma condição de “acesso a um mundo misterioso que a razão não pode penetrar” (idem). Devemos entender que “foi a ciência, e não a religião, que ensinou aos homens que as coisas são complexas e difíceis de compreender” (p. 9), é através dela que conseguimos nos libertar das nossas concepções usuais. Por fim, ele mostrará que a idéia do sobrenatural não tem nada de original, pois foi o homem que a criou ao mesmo tempo em que criava uma idéia contrária.

Outra idéia que qual o autor refuta é o conceito de Deus e Deuses, em que a concepção de divindade ou como ele prefere chamar “ser espiritual”, deixa de lado grande quantidade de manifestações religiosas, como exemplo, “As almas aos mortos, os espíritos de toda espécie e de toda ordem” (p. 11). Sendo assim incluiremos no nosso estudo várias concepções religiosas de diversas culturas, não reduzindo apenas a culturas que tem como determinação o sentimento de vínculo com um Deus.

E como podemos saber o que pode ser religião ou não neste tipo de idéia?

Este conceito acerca da religião, mostra que é um sistema de procedimentos psicológicos, que tem por base o convencimento e a comoção por meio das palavras, seja por oferendas ou sacrifícios, para um ser espiritual, ou seja, “só poderia haver religião onde há preces, sacrifícios, ritos propiciatórios, etc. Teríamos, assim, um critério muito simples que permitiria distinguir o que é religioso do que não é” (p. 12). Mas Durkheim vai utilizar o seguinte argumento para mostrar que essa idéia é falaciosa apesar de ser uma boa definição. Dando o exemplo do Budismo ele mostra que existe religiões e até grandes religiões onde o conceito de deuses e seres espirituais está ausente ou ocupa um papel secundário dentro da religião. “Eis aí grandes religiões em que as invocações, as propiciações... estão muito longe de ter uma posição preponderante” (p. 16), assim ele mostra que a religião vai muito além do conceito de divindade e de seres espirituais, logo não podemos definir excepcionalmente em função desta última.

Durkheim mostra o conceito do Folclore abrange um maior número de exemplos de religiões, pois esse conceito vai além da idéia de um culto formal e comunitário, ele abrange também o culto pessoal, ele mostra que apesar de uma comunidade ou sociedade “aceitar” certa religião, essas ainda preservam rituais folclóricos anteriores a religião dominante e que estas até absorvem e assimilam estas práticas moldando-as aos seus princípios. Mesmo assim ainda existem ritos folclóricos que tem uma relativa autonomia, assim, “uma definição que não levasse isso em conta não compreenderia, portanto, tudo que é religioso.” (p. 19).

Para o autor, existe uma divisão no conceito do folclore, em que como fenômeno religioso, classifica-se em ritos e crenças:
  1. Os ritos “só podem ser definidos e distinguidos das outras práticas humanas, notadamente das práticas morais, pela natureza especial de seu objeto” (p. 19), assim precisamos da crença para definirmos os ritos. 
  2. As crenças por sua vez, simples ou complexas, “apresentam um mesmo caráter comum: supõe uma classificação das coisas, reais ou ideais, que os homens concebem, em duas classes” (p. 19), o sagrado e o profano, faz-se então uma divisão do mundo onde as coisas sagradas são quaisquer objetos que tenham sido revelados, seja essa revelação um deus, uma pedra, ou até uma simples palavra. “um rito pode ter esse caráter” (p. 20), 
No budismo, por exemplo, “as verdades santas e as práticas que delas derivam” (p. 20) são uma coisa sagrada. As coisas profanas são determinadas muitas vezes, com aspectos de inferioridade em relação às coisas profanas, mas “se é verdade que o homem depende de seus deuses, a dependência é recíproca” (p. 21), sem os homens os deuses morreriam. Mas é através da heterogeneidade que podemos diferenciar mais claramente as coisas profanas das coisas sagradas, pois ela é como diz o autor “muito particular: ela é absoluta” (p. 22), as coisas (profanas e sagradas) são consideradas “pelo espírito humano como gêneros separados, como dois mundos entre os quais nada existe em comum.” (p. 22), apesar disso, existe uma possibilidade de um ser passar (em uma verdadeira metamorfose) de um mundo para o outro, através de ritos de iniciação e outros. Essa heterogeneidade mostra que “as coisas” também são hostis e rivais, tendo em vista que para um ser passar para o outro mundo ele deve sair completamente do seu, conclusão:
Temos, desta vez, um primeiro critério das crenças religiosas. Claro que, no interior desses dois gêneros fundamentais, há espécies secundárias que, por sua vez, são mais ou menos incompatíveis umas com as outras. Mas o característico do fenômeno religioso é que ele supõe sempre uma divisão bipartida do universo conhecido e conhecível em dois gêneros que compreendem tudo o que existe, mas que se excluem radicalmente. As coisas sagradas são aquelas que as proibições protegem e isolam; as coisas profanas, aquelas a que se aplicam essas proibições e que devem permanecer à distância das primeiras. As crenças religiosas são representações que exprimem a natureza das coisas sagradas e as relações que elas mantêm, seja entre si, seja com as coisas profanas. Enfim, os ritos são regras de conduta que prescrevem como o homem deve comportar-se com as coisas sagradas.” (p. 24)
Mas para o autor esta definição ainda não é completa, pois ainda existem duas ordens que devem ser diferenciadas, temos a magia e a religião, onde a primeira, assim como a segunda tem seus ritos, crenças, mitos e dogmas, mas há uma diferença a magia não se preocupa com especulações, mas como podemos separar uma da outra se elas interagem? O simples fato de uma repugnar a outra é uma fator relevante, outro fator é que “a magia tem uma espécie de prazer profissional em profanar as coisas sagradas” (p. 27) e a religião, por sua vez “se nem sempre condenou e proibiu os ritos mágicos, os vê geralmente com desagrado” (p. 27); outro fator é que as crenças religiosas têm uma necessidade de estar ligada intimamente aos homens através das suas práticas, enquanto a magia não precisa dessa ligação, ou seja, para os adeptos da magia não há necessidade de se ligar a outros praticantes, nem os mágicos tem uma necessidade de si ligar a outros mágicos, assim como também não precisam de uma igreja mágica, já a religião precisa de todos esses aspectos, precisa de interação comunidade x comunidade; comunidade x igreja e igreja x igreja, fator essencial para uma continuidade religiosa.

Por fim, o autor diz que “uma religião é um sistema solidário de crenças e de práticas relativas a coisas sagradas, isto é, separadas, proibidas, crenças e práticas que reúnem numa mesma comunidade moral, chamada igreja, todos aqueles que a elas aderem.” (p. 32). Sendo assim, esse segundo argumento complementa o primeiro, pois é na coletividade que mostramos a idéia de religião.

Obrigado por sua atenção!
Atualizado: 17 de Janeiro de 2011


DURKHEIM, Émile. Definição do Fenômeno Religioso e da Religião. In: DURKHEIM, Émile. "As formas elementares da vida religiosa". São Paulo: Martins Fontes, 2000.

Por Zevaldo Luiz

Comentários

  1. Olá, gostei do seu blog vou relacioná-lo ao da história em projetos, vc é professor de história?
    abraços
    Conceição Oliveira

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