Por: Zevaldo Luiz Rodrigues de Sousa
“Este Livro inacabado é um ato completo de história.” (BLOCH: 2001,34), palavras de Jacques Le Goff no prefácio da Edição Francesa. Apesar de ser o primeiro livro sobre metodologia da história que li, este é um livro que muitos consideram como o melhor sobre o assunto já escrito, por sua amplitude e por pegar todas as pontas do guarda-chuva do trabalho do historiador. Perceba nas palavras de Bloch um pré-enuncio daquilo que, para ele parecia impossível, acabar com este livro. “... O que é inacabado se tende constantemente a ultrapassar-se, tem, para todo espírito ardoroso, por pouco que o seja, uma sedução que vale bem o êxito mais perfeito...” (P. 84).
A Segunda Guerra Mundial freou o desenvolvimento do debate que Marc Bloch propôs, pois ele morreu, deixando uma obra incompleta sobre a Teoria da História, que futuramente foi editada com o titulo de Apologia da história, ou ofício de historiador (2001). Buscando definir a utilidade da historia, este texto discute a complexidade do tempo histórico, as relações entre passado-presente, a construção do discurso e, principalmente, a exigência de uma ética da história do historiador. A História aparece como busca e escolha, não sendo o passado seu objeto: a idéia de que o passado como tal possa ser objeto de ciência é errada. O objeto da história, segundo Marc Bloch, é o fazer da história a ciência “dos homens, no tempo” (BLOCH: 2001,55).
É preciso entender a importância deste livro, seu discurso possui um caráter contemporâneo para a história, na época e nas circunstâncias em que foi criado, para isso nos perguntamos. Qual a sua importância para o ensino e a escrita da história na atualidade? Para você que está iniciando o curso de história, ou melhor, para você leitor desta resenha, para entender o que estou falando é necessário saber: Quem foi Marc Bloch?
Marc Léopold Benjamim Bloch foi historiador, fundador da Escola dos Annales com Lucien Febvre, que buscou contrapor a historiografia positivista, que privilegiava a análise política, propondo uma história: crítica, analítica e problematizadora, dando maior privilégio aos fatores, econômicos e sociais na história e cuja linha de estudos por sua vez influenciaria a Nova História e a História das Mentalidades. Eles concretizaram o projeto de publicar uma revista que oferecesse espaço para estes novos apontamentos: No primeiro momento da revista, são bastante claros os ataques aos especialistas simplistas e empiricistas. Tal revista sofre grande influência da escola Durkheimiana e também da geografia Vidaliana, entre outras. O que propiciou a Bloch, o estudo da história de uma forma bem peculiar, incrementando novos conceitos e paradigmas nas pesquisas. Fazendo isso o autor buscou ampliar largamente o diálogo da história com outras áreas do conhecimento (interdisciplinaridade), isso foi um fator essencial para a construção de uma nova história, isso foi fundamental para fazer uma História Total, mostrando que através de um objeto específico podemos fazer inter-relações com diversas áreas do conhecimento.
Ele participou das duas grandes guerras, e foi na segunda guerra que foi preso e onde escreveu Apologia da História, obra essa inacabada devido à sua morte. Ele é considerado o maior medievalista de todos os tempos. Como se não bastasse, foi um dos grandes responsáveis pelas inovações do pensamento histórico, defendendo o abandono de seqüências pouco úteis de nomes e datas e uma maior reflexão dos acontecimentos e seus fatores anteriores e posteriores. Seu último livro Uma Estranha Derrota, era uma avaliação da derrota francesa a partir da invasão alemã, Mas também foi “uma crítica muito lúcida das insuficiências, dos ocultamentos do discurso histórico dos Annales”(DOSSE: 1992,64-65)
Pois bem, como você pode ver Marc Bloch era engajado em tudo que propunha desde o seu ofício até á sua pátria. Ao escrever este livro na prisão ele propõe diversos assuntos que para ele precisam ser colocados em prática pelo historiador. Bloch faz da história uma história-problema e para isso ele fez este livro para a confirmação daquilo pensa e como nós percebemos parece que este livro foi uma espécie de despedida, um testamento legado para toda a humanidade que quer conhecer e buscar a verdade.
Este é um livro composto por uma guisa de dedicatória, uma introdução e cinco capítulos (o capítulo V - incompleto). Na guisa de dedicatória Marc Bloch agradece ao seu amigo Lucien Febvre por tudo o que passaram e como uma espécie de despedida dedica este livro a ele.
Na Introdução, Marc Bloch vai mostrar que, um historiador de verdade não deve seguir necessariamente seus mestres, mas criticá-los naquilo que achar necessário, deve ser sincero e mostra que o progresso dos estudos é feito com a contradição necessária entre as várias gerações de investigadores. A problematização da pergunta “Pai, diga-me lá para que serve a história”(p.75). É o que ele vai chamar de Legitimidade da História e vai ser a idéia principal para o desenvolvimento do livro.
Posso dizer que por motivos relevantes Bloch se opõe, ao escrever sobre livros e sobre autores sem ter uma fonte de pesquisa, não por ter sido ingênuo ao escrever sem querer saber o que estas pessoas escreviam ou falavam na verdade, mas ele faz um esforço sem comparação para se aproximar muito daquilo que essas pessoas defendiam. Mostra entre muitas coisas que: O trabalho do historiador é saber interrogar bem o seu passado; A mescla de memória com a História; Que a história pode ser uma distração, mas para escrevê-la devemos gostar do nosso ofício para isso, é necessário vocação; que o ser humano procura saber e não compreender, e que deve ser o contrário; Que a História não é, apenas, útil. Ela é legítima como ciência. Ciro Flamariom Cardoso mostra em seu livro “Uma introdução à História” que a história ainda está caminhando para ser ciência, pois, “a conquista do seu método ainda não está completa” (CARDOSO. 1981, 49). Este é um assunto muito debatido durante por muitos historiadores, creio eu que a História é ciência, pois não temos o que discutir quando colocarmos na balança o seu valor como disciplina e como fins políticos, religiosos, etc. Por Fim, Marc Bloch encerra esta introdução lamentando por não ter feito melhor o livro, o não acesso a nenhuma biblioteca ou seus livros, deixou o texto vazado, cheios de lacunas que ele ainda tinha a esperança de poder completar, assim ele escreveu esse texto só com o seu saber, somente com suas notas.
No capítulo um Marc Bloch vai tratar da História, os homens e o tempo, ele divide este capítulo em cinco partes. A primeira parte fala da opção do historiador onde fala da sociologia Durkheimiana e discute sobre os obstáculos existentes na pesquisa histórica. Na segunda parte ele fala da História e os homens onde critica a historiografia tradicional, que narram os grandes feitos, grandes homens e coloca a serviço da história à interdisciplinaridade. Na terceira parte, ele comenta o tempo histórico onde o historiador é definitivamente, influenciado pelo seu tempo, ou seja, pela sociedade em que vive, sendo impossível ser imparcial com a realidade a sua volta. A História é a ciência dos homens no tempo onde o historiador elabora sua pesquisa, de acordo com as preocupações e os interesses do seu quotidiano. Bloch chama a atenção a respeito da importância em saber a data exata dos acontecimentos históricos. Isso porque tal compreensão do tempo indica a respeito da realidade de cada sociedade. Segundo o autor, o tempo não é apenas uma seqüência de fatos. O tempo histórico é a capacidade de identificar-se com a historicidade. O conhecimento histórico, não é apenas uma causa linear, as coisas não são simplesmente causas e efeitos, pois são movimentos coletivos, jogos de interesses entre classes, porque a sociedade é muito mais complexa do que uma associação de fatos ao longo do tempo. Na parte quatro fala sobre “o ídolo das origens” o crédito que os historiadores dão as origens de um processo histórico, questionando essa idéia de mostrar que em muitas realidades históricas tal pressuposto é impalpável. Na quinta parte fala sobre o passado e o presente onde mostra que para o historiador entender o passado é preciso compreender o presente, pois há muita permanência na História, ou seja, aquilo que muda de forma mais lenta como, por exemplo, a cultura. O autor mostra que as sociedades não são iguais e por isso não basta estudar uma só. É necessário conhecer outras realidades para se ter uma noção mais completa. Isso é muito debatido e Collingwood concorda com Bloch neste sentido, para ele “O passado que o historiador estuda não é um passado morto, mas um passado que, em algum sentido, está ainda vivo no presente.” (CARR, 1999, 22), ou seja, estudamos o passado para compreender o presente.
No capítulo dois Marc Bloch vai tratar da observação histórica, ele divide este capítulo em três partes onde a primeira parte fala dos caracteres gerais da observação histórica que segundo Bloch a construção do passado, elaborado pelo historiador é geralmente feita através da observação de outros sujeitos. “Toda a narrativa de coisas vistas assenta, numa boa metade, em coisas vistas por outrem” (P. 104), ou seja, na observação histórica, o pesquisador remonta sua teoria, com base nos relatos e na percepção de alguns indivíduos. Também mostra que muitos vestígios históricos, proporcionam um contato direto com o passado um exemplo é a maioria dos testemunhos não-literários, e até mesmo a de uma grande parte das narrativas. Com isso o passado só poderá ser compreendido, através dos vestígios encontrados no presente. O passado é uno, sendo um fato verídico, contudo o entendimento desse modifica-se e é aperfeiçoado. Na segunda parte fala dos testemunhos, que para Bloch as fontes narrativas permanecem ainda com grande importância na investigação histórica, mas também os testemunhos que não tiveram a intenção de deixarem registros para posteridade. Aí entra a história-problema proposta por Bloch onde o especialista interroga suas fontes e mantém um verdadeiro diálogo entre elas, sendo este o primeiro passo para se fazer uma pesquisa histórica. Na terceira parte ele fala da transmissão dos testemunhos ele cita que é “Uma das tarefas mais difíceis do historiador é reunir os documentos de que pensa ter necessidade. Ser-lhe-ia difícil consegui-lo sem o socorro de diversos guias: inventários de arquivos ou de bibliotecas, catálogos de museus, repertórios bibliográficos de todas as espécies...” (P. 116). Esse é sem dúvida um trabalho árduo e desgastoso, mas apesar de algumas pessoas fazerem esse tipo de trabalho, ele não é valorizado, e muitas vezes não é nem publicado. Marc Bloch mostra que para se fazer este tipo de trabalho, os investigadores devem antecipadamente conhecer o que ira explorar, os documentos não são fáceis de achar, o técnico deve conhecer um pouco de tudo para poder encontra este tipo de documento e mais ainda ele deve saber interpretá-lo. Mas como bom historiador ele deve conquistar o público, deve seduzi-lo e para isso ele deve passar o seu conhecimento aos leitores. Fazendo que esses tenham o prazer da investigação, da análise profunda dos documentos, do saber interrogá-los. Afinal, como disse Bloch “O espetáculo da investigação, com os seus sucessos e seus revezes, raramente enfastia. A coisa passada é que provoca o tédio” (P. 118).
No capítulo três Marc Bloch vai tratar da crítica, ele divide este capítulo em três partes onde a primeira parte fala do Esboço de uma história do método crítico onde Bloch mostra que não se deve acreditar cegamente naquilo que as testemunhas dizem, pois, “nem todos os relatos são verídicos e os vestígios materiais podem ser também falsificados” (P. 122). Quando se busca regras para definir se o documento é falso ou verdadeiro, quando há dúvidas sobre a veracidade dos documentos e quando essa dúvida se tomou um jeito examinador, essas regras se enquadram à crítica do documento. Para isso o historiador deve saber indicar de onde o documento vem? Por que e por quem foi escrito? Seu valor para o seu tempo? E outras perguntas mais. Para Marc Bloch o modo correto de dizer se um documento é falso ou não, é perceber os anacronismos e outros detalhes de um documento. Na segunda parte ele mostra que existem duas formas de se verificar se um documento é falso ou não, a busca da mentira e do erro, é como ele disse “De todos os venenos capazes de viciar um documento, o mais virulento, é a impostura” (P. 130). Para Bloch, quando você pega um documento para analisar à sua veracidade, você deve antes de tudo ter um senso crítico para analisá-lo de forma correta, buscar nele a verdade e se o descobrir se esse for falso, deve se perguntar por que fizeram este documento? Qual o objetivo da criação dele? E outras.
Mas é verdade que também os testemunhos se enganam, esse é o momento de o historiador aproveitar para aplicar os conhecimentos da disciplina: a psicologia do testemunho. Ela é aplicada em casos cujo “... os erros iniciais da percepção correm sempre o risco de se confundir com os erros de memória, dessa fluida, dessa coleante memória, denunciada já por um dos nossos juristas” (P.137), o caso é que muitos testemunhos utilizaram à sua memória para contar fatos ocorridos e por ele vistos, mas que, por não terem sidos escritos literalmente no momento acontecido, ficam a mercê de erros de boa fé, mas erros históricos, que modificam o que ocorreu literalmente. Na terceira parte ele faz um ensaio de uma lógica do método crítico onde mostra como o método crítico é baseado em comparações, pela série de objetos, documentos e outros vestígios encontrados ao longo de uma série de escavações, achados e etc., analisamos o documento que está em nossa mão. Quando não podemos comparar, não podemos descrever o seu período, ou seja, não podemos contextualizar o documento. “... Na base de quase toda a crítica inscreve-se em trabalho de comparação” (P. 143). Por fim Bloch vai mostrar que a história tem o direito de contar que entre as suas glórias, já tem elaborado a sua técnica para entendimento do documento, o método crítico assim abriu um caminho novo para aquilo que é certo, verdadeiro e justo.
No capítulo quatro Bloch vai tratar da análise histórica, ele divide este capítulo em quatro partes onde a primeira parte inicia com um debate se a história deve julgar ou compreender? A analise histórica é um processo que começa com a compreensão. Marc Bloch diz “Uma palavra, em suma, domina e ilumina os nossos estudos: Compreender...” (P. 163), é através da compreensão e não do julgamento que o historiador deve analisar os fatos. Na segunda parte ele fala da diversidade dos fatos humanos à unidade das consciências onde aborda que não é só compreensão. Para se construir uma ciência é necessário duas coisas: Um homem e a matéria. A realidade humana, como a realidade física são muito complexas. Os documentos já são um recorte do passado, é preciso então o historiador escolher e separar os documentos que lhes são necessários, para em seguida, analisá-los. É claro o homem age sobre as coisas e vice-versa. É aí que entra o papel da ciência, ela “... só recompõe o real para melhor o poder observar, graças a um jogo de fogos cruzados cujos raios constantemente se combinam e se interpenetram...” (P. 167). É necessário a combinação de ciências para um melhor observar, a análise é complexa, e exige muito por parte do historiador, este tem seus limites e precisa de outros pensadores para lhe ajudar neste empreendimento. Na terceira parte Bloch fala da nomenclatura que é ponto-chave do estudo do documento, evitar anacronismos é um detalhe importante para quem escreve História. Temos de nos preparar para um outro esforço no processo de análise, devemos distinguir as diversas instituições de determinadas épocas sem denegrir á sua imagem. Com tudo, Marc Bloch diz que um dia depois de uma série de entendimentos, poderemos afiná-la, pois ainda não temos um método para lidar com ela. Na quarta parte ele comenta que divisões cronológicas já são inseridas no contexto, é um conhecimento que o historiador deve saber antes de escrever. Que os vestígios históricos, já são um recorte do passado, pois, nós não temos como saber literalmente, como aconteceu os fatos, o que chega até nós só é, essas seleções que são transmitidas através de várias seleções consecutivas, e que devemos investigá-las. A historiografia que herdamos, conta a história não dos reinos, mais de reis e generais. O pensamento voltairiano influenciou a cabeça de muitos historiógrafos que propiciaram uma revolução no contexto histórico, passam então a inverter o modo como escreviam, em vez de escreverem apenas sobre reis e seus feitos, passaram a escrever muito mais sobre as classes mais baixas da sociedade, principalmente a arte, a literatura, a ciência que entraram nesse contexto devido a seus vários progressos. Outro ponto importante é o da periodicidade das gerações, não tem nada para se regular, existem em História gerações longas (civilizações) e curtas (fase, um período). Conclui-se que para classificarmos a história devemos levar em conta os recortes já feitos no passado e tentarmos aproximarmos estes dos outros recortes que não foram feitos nele. Com isso tentarei entender o passado através e aproximações, generalizações e outros meios.
No capítulo cinco não se sabe ao certo qual o título que ele daria No prefácio de Jacques Le Goff têm uma parte que diz “... sem dúvida teria sido sobre “a explicação em história”...”. Mas nós sabemos que Bloch foi uma das vítima de Klaus Barbie, fuzilado, calou-se um francês, mas não o francês que escreveu este livro e que entrou para História como a pessoa que conseguiu colocar num só livro. O melhor jeito de aplicar os conhecimentos de um historiador na prática, este é sem sombras de dúvidas, o melhor livro de metodologia feito e, serve inclusive, para quem está começando os estudos acadêmicos. É neste capítulo que Bloch fala somente da causa, ele queria escrever mais, não pôde. Quando Bloch fala da causa ele faz mais uma crítica ao positivismo que ele menciona “... pretendeu eliminar da ciência a idéia de causa...” (P. 191). Ele mostra também que as causas da história não é um problema de motivos. Para Bloch a monocausalidade deve ser refutada, ao se escrever História, devemos levar em conta uma multiplicidade de causas, e seus efeitos, isso é indiscutível. Por isso não devemos fazer que as causas sejam reduzidas sempre a um problema de motivos. Por fim, Marc Bloch, termina o texto numa frase que sem dúvidas é um resumo de tudo que ele falou sobre causas: “... Numa palavra, as causas, em História como de resto em qualquer outro domínio, não se postulam. Investigam-se” (P.195).
Resenha
Referência Bibliográfica:
Estudo de Obra (Obra Completa) BLOCH, Marc. Introdução à História. Lisboa: Europa-América. S/d.
“Aprendendo a Convencer”
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEivql4bDzB9TAm7kWDHuAT-ZEjFpdPwQ9XJmKdpM6QG4cFKIuKZO09CvxZdbfarMh2Z4cOoxLdoBoyqsUJ2tLEiXXYYPmtMKJwaZWFvS2WqosoLR0m1W-t9o3vYUUPqPHxsPHTJBjcKhDQ/s1600-rw/apologia+da+historia.jpg)
A Segunda Guerra Mundial freou o desenvolvimento do debate que Marc Bloch propôs, pois ele morreu, deixando uma obra incompleta sobre a Teoria da História, que futuramente foi editada com o titulo de Apologia da história, ou ofício de historiador (2001). Buscando definir a utilidade da historia, este texto discute a complexidade do tempo histórico, as relações entre passado-presente, a construção do discurso e, principalmente, a exigência de uma ética da história do historiador. A História aparece como busca e escolha, não sendo o passado seu objeto: a idéia de que o passado como tal possa ser objeto de ciência é errada. O objeto da história, segundo Marc Bloch, é o fazer da história a ciência “dos homens, no tempo” (BLOCH: 2001,55).
É preciso entender a importância deste livro, seu discurso possui um caráter contemporâneo para a história, na época e nas circunstâncias em que foi criado, para isso nos perguntamos. Qual a sua importância para o ensino e a escrita da história na atualidade? Para você que está iniciando o curso de história, ou melhor, para você leitor desta resenha, para entender o que estou falando é necessário saber: Quem foi Marc Bloch?
Marc Léopold Benjamim Bloch foi historiador, fundador da Escola dos Annales com Lucien Febvre, que buscou contrapor a historiografia positivista, que privilegiava a análise política, propondo uma história: crítica, analítica e problematizadora, dando maior privilégio aos fatores, econômicos e sociais na história e cuja linha de estudos por sua vez influenciaria a Nova História e a História das Mentalidades. Eles concretizaram o projeto de publicar uma revista que oferecesse espaço para estes novos apontamentos: No primeiro momento da revista, são bastante claros os ataques aos especialistas simplistas e empiricistas. Tal revista sofre grande influência da escola Durkheimiana e também da geografia Vidaliana, entre outras. O que propiciou a Bloch, o estudo da história de uma forma bem peculiar, incrementando novos conceitos e paradigmas nas pesquisas. Fazendo isso o autor buscou ampliar largamente o diálogo da história com outras áreas do conhecimento (interdisciplinaridade), isso foi um fator essencial para a construção de uma nova história, isso foi fundamental para fazer uma História Total, mostrando que através de um objeto específico podemos fazer inter-relações com diversas áreas do conhecimento.
Ele participou das duas grandes guerras, e foi na segunda guerra que foi preso e onde escreveu Apologia da História, obra essa inacabada devido à sua morte. Ele é considerado o maior medievalista de todos os tempos. Como se não bastasse, foi um dos grandes responsáveis pelas inovações do pensamento histórico, defendendo o abandono de seqüências pouco úteis de nomes e datas e uma maior reflexão dos acontecimentos e seus fatores anteriores e posteriores. Seu último livro Uma Estranha Derrota, era uma avaliação da derrota francesa a partir da invasão alemã, Mas também foi “uma crítica muito lúcida das insuficiências, dos ocultamentos do discurso histórico dos Annales”(DOSSE: 1992,64-65)
Pois bem, como você pode ver Marc Bloch era engajado em tudo que propunha desde o seu ofício até á sua pátria. Ao escrever este livro na prisão ele propõe diversos assuntos que para ele precisam ser colocados em prática pelo historiador. Bloch faz da história uma história-problema e para isso ele fez este livro para a confirmação daquilo pensa e como nós percebemos parece que este livro foi uma espécie de despedida, um testamento legado para toda a humanidade que quer conhecer e buscar a verdade.
Este é um livro composto por uma guisa de dedicatória, uma introdução e cinco capítulos (o capítulo V - incompleto). Na guisa de dedicatória Marc Bloch agradece ao seu amigo Lucien Febvre por tudo o que passaram e como uma espécie de despedida dedica este livro a ele.
Na Introdução, Marc Bloch vai mostrar que, um historiador de verdade não deve seguir necessariamente seus mestres, mas criticá-los naquilo que achar necessário, deve ser sincero e mostra que o progresso dos estudos é feito com a contradição necessária entre as várias gerações de investigadores. A problematização da pergunta “Pai, diga-me lá para que serve a história”(p.75). É o que ele vai chamar de Legitimidade da História e vai ser a idéia principal para o desenvolvimento do livro.
Posso dizer que por motivos relevantes Bloch se opõe, ao escrever sobre livros e sobre autores sem ter uma fonte de pesquisa, não por ter sido ingênuo ao escrever sem querer saber o que estas pessoas escreviam ou falavam na verdade, mas ele faz um esforço sem comparação para se aproximar muito daquilo que essas pessoas defendiam. Mostra entre muitas coisas que: O trabalho do historiador é saber interrogar bem o seu passado; A mescla de memória com a História; Que a história pode ser uma distração, mas para escrevê-la devemos gostar do nosso ofício para isso, é necessário vocação; que o ser humano procura saber e não compreender, e que deve ser o contrário; Que a História não é, apenas, útil. Ela é legítima como ciência. Ciro Flamariom Cardoso mostra em seu livro “Uma introdução à História” que a história ainda está caminhando para ser ciência, pois, “a conquista do seu método ainda não está completa” (CARDOSO. 1981, 49). Este é um assunto muito debatido durante por muitos historiadores, creio eu que a História é ciência, pois não temos o que discutir quando colocarmos na balança o seu valor como disciplina e como fins políticos, religiosos, etc. Por Fim, Marc Bloch encerra esta introdução lamentando por não ter feito melhor o livro, o não acesso a nenhuma biblioteca ou seus livros, deixou o texto vazado, cheios de lacunas que ele ainda tinha a esperança de poder completar, assim ele escreveu esse texto só com o seu saber, somente com suas notas.
No capítulo um Marc Bloch vai tratar da História, os homens e o tempo, ele divide este capítulo em cinco partes. A primeira parte fala da opção do historiador onde fala da sociologia Durkheimiana e discute sobre os obstáculos existentes na pesquisa histórica. Na segunda parte ele fala da História e os homens onde critica a historiografia tradicional, que narram os grandes feitos, grandes homens e coloca a serviço da história à interdisciplinaridade. Na terceira parte, ele comenta o tempo histórico onde o historiador é definitivamente, influenciado pelo seu tempo, ou seja, pela sociedade em que vive, sendo impossível ser imparcial com a realidade a sua volta. A História é a ciência dos homens no tempo onde o historiador elabora sua pesquisa, de acordo com as preocupações e os interesses do seu quotidiano. Bloch chama a atenção a respeito da importância em saber a data exata dos acontecimentos históricos. Isso porque tal compreensão do tempo indica a respeito da realidade de cada sociedade. Segundo o autor, o tempo não é apenas uma seqüência de fatos. O tempo histórico é a capacidade de identificar-se com a historicidade. O conhecimento histórico, não é apenas uma causa linear, as coisas não são simplesmente causas e efeitos, pois são movimentos coletivos, jogos de interesses entre classes, porque a sociedade é muito mais complexa do que uma associação de fatos ao longo do tempo. Na parte quatro fala sobre “o ídolo das origens” o crédito que os historiadores dão as origens de um processo histórico, questionando essa idéia de mostrar que em muitas realidades históricas tal pressuposto é impalpável. Na quinta parte fala sobre o passado e o presente onde mostra que para o historiador entender o passado é preciso compreender o presente, pois há muita permanência na História, ou seja, aquilo que muda de forma mais lenta como, por exemplo, a cultura. O autor mostra que as sociedades não são iguais e por isso não basta estudar uma só. É necessário conhecer outras realidades para se ter uma noção mais completa. Isso é muito debatido e Collingwood concorda com Bloch neste sentido, para ele “O passado que o historiador estuda não é um passado morto, mas um passado que, em algum sentido, está ainda vivo no presente.” (CARR, 1999, 22), ou seja, estudamos o passado para compreender o presente.
No capítulo dois Marc Bloch vai tratar da observação histórica, ele divide este capítulo em três partes onde a primeira parte fala dos caracteres gerais da observação histórica que segundo Bloch a construção do passado, elaborado pelo historiador é geralmente feita através da observação de outros sujeitos. “Toda a narrativa de coisas vistas assenta, numa boa metade, em coisas vistas por outrem” (P. 104), ou seja, na observação histórica, o pesquisador remonta sua teoria, com base nos relatos e na percepção de alguns indivíduos. Também mostra que muitos vestígios históricos, proporcionam um contato direto com o passado um exemplo é a maioria dos testemunhos não-literários, e até mesmo a de uma grande parte das narrativas. Com isso o passado só poderá ser compreendido, através dos vestígios encontrados no presente. O passado é uno, sendo um fato verídico, contudo o entendimento desse modifica-se e é aperfeiçoado. Na segunda parte fala dos testemunhos, que para Bloch as fontes narrativas permanecem ainda com grande importância na investigação histórica, mas também os testemunhos que não tiveram a intenção de deixarem registros para posteridade. Aí entra a história-problema proposta por Bloch onde o especialista interroga suas fontes e mantém um verdadeiro diálogo entre elas, sendo este o primeiro passo para se fazer uma pesquisa histórica. Na terceira parte ele fala da transmissão dos testemunhos ele cita que é “Uma das tarefas mais difíceis do historiador é reunir os documentos de que pensa ter necessidade. Ser-lhe-ia difícil consegui-lo sem o socorro de diversos guias: inventários de arquivos ou de bibliotecas, catálogos de museus, repertórios bibliográficos de todas as espécies...” (P. 116). Esse é sem dúvida um trabalho árduo e desgastoso, mas apesar de algumas pessoas fazerem esse tipo de trabalho, ele não é valorizado, e muitas vezes não é nem publicado. Marc Bloch mostra que para se fazer este tipo de trabalho, os investigadores devem antecipadamente conhecer o que ira explorar, os documentos não são fáceis de achar, o técnico deve conhecer um pouco de tudo para poder encontra este tipo de documento e mais ainda ele deve saber interpretá-lo. Mas como bom historiador ele deve conquistar o público, deve seduzi-lo e para isso ele deve passar o seu conhecimento aos leitores. Fazendo que esses tenham o prazer da investigação, da análise profunda dos documentos, do saber interrogá-los. Afinal, como disse Bloch “O espetáculo da investigação, com os seus sucessos e seus revezes, raramente enfastia. A coisa passada é que provoca o tédio” (P. 118).
No capítulo três Marc Bloch vai tratar da crítica, ele divide este capítulo em três partes onde a primeira parte fala do Esboço de uma história do método crítico onde Bloch mostra que não se deve acreditar cegamente naquilo que as testemunhas dizem, pois, “nem todos os relatos são verídicos e os vestígios materiais podem ser também falsificados” (P. 122). Quando se busca regras para definir se o documento é falso ou verdadeiro, quando há dúvidas sobre a veracidade dos documentos e quando essa dúvida se tomou um jeito examinador, essas regras se enquadram à crítica do documento. Para isso o historiador deve saber indicar de onde o documento vem? Por que e por quem foi escrito? Seu valor para o seu tempo? E outras perguntas mais. Para Marc Bloch o modo correto de dizer se um documento é falso ou não, é perceber os anacronismos e outros detalhes de um documento. Na segunda parte ele mostra que existem duas formas de se verificar se um documento é falso ou não, a busca da mentira e do erro, é como ele disse “De todos os venenos capazes de viciar um documento, o mais virulento, é a impostura” (P. 130). Para Bloch, quando você pega um documento para analisar à sua veracidade, você deve antes de tudo ter um senso crítico para analisá-lo de forma correta, buscar nele a verdade e se o descobrir se esse for falso, deve se perguntar por que fizeram este documento? Qual o objetivo da criação dele? E outras.
Mas é verdade que também os testemunhos se enganam, esse é o momento de o historiador aproveitar para aplicar os conhecimentos da disciplina: a psicologia do testemunho. Ela é aplicada em casos cujo “... os erros iniciais da percepção correm sempre o risco de se confundir com os erros de memória, dessa fluida, dessa coleante memória, denunciada já por um dos nossos juristas” (P.137), o caso é que muitos testemunhos utilizaram à sua memória para contar fatos ocorridos e por ele vistos, mas que, por não terem sidos escritos literalmente no momento acontecido, ficam a mercê de erros de boa fé, mas erros históricos, que modificam o que ocorreu literalmente. Na terceira parte ele faz um ensaio de uma lógica do método crítico onde mostra como o método crítico é baseado em comparações, pela série de objetos, documentos e outros vestígios encontrados ao longo de uma série de escavações, achados e etc., analisamos o documento que está em nossa mão. Quando não podemos comparar, não podemos descrever o seu período, ou seja, não podemos contextualizar o documento. “... Na base de quase toda a crítica inscreve-se em trabalho de comparação” (P. 143). Por fim Bloch vai mostrar que a história tem o direito de contar que entre as suas glórias, já tem elaborado a sua técnica para entendimento do documento, o método crítico assim abriu um caminho novo para aquilo que é certo, verdadeiro e justo.
No capítulo quatro Bloch vai tratar da análise histórica, ele divide este capítulo em quatro partes onde a primeira parte inicia com um debate se a história deve julgar ou compreender? A analise histórica é um processo que começa com a compreensão. Marc Bloch diz “Uma palavra, em suma, domina e ilumina os nossos estudos: Compreender...” (P. 163), é através da compreensão e não do julgamento que o historiador deve analisar os fatos. Na segunda parte ele fala da diversidade dos fatos humanos à unidade das consciências onde aborda que não é só compreensão. Para se construir uma ciência é necessário duas coisas: Um homem e a matéria. A realidade humana, como a realidade física são muito complexas. Os documentos já são um recorte do passado, é preciso então o historiador escolher e separar os documentos que lhes são necessários, para em seguida, analisá-los. É claro o homem age sobre as coisas e vice-versa. É aí que entra o papel da ciência, ela “... só recompõe o real para melhor o poder observar, graças a um jogo de fogos cruzados cujos raios constantemente se combinam e se interpenetram...” (P. 167). É necessário a combinação de ciências para um melhor observar, a análise é complexa, e exige muito por parte do historiador, este tem seus limites e precisa de outros pensadores para lhe ajudar neste empreendimento. Na terceira parte Bloch fala da nomenclatura que é ponto-chave do estudo do documento, evitar anacronismos é um detalhe importante para quem escreve História. Temos de nos preparar para um outro esforço no processo de análise, devemos distinguir as diversas instituições de determinadas épocas sem denegrir á sua imagem. Com tudo, Marc Bloch diz que um dia depois de uma série de entendimentos, poderemos afiná-la, pois ainda não temos um método para lidar com ela. Na quarta parte ele comenta que divisões cronológicas já são inseridas no contexto, é um conhecimento que o historiador deve saber antes de escrever. Que os vestígios históricos, já são um recorte do passado, pois, nós não temos como saber literalmente, como aconteceu os fatos, o que chega até nós só é, essas seleções que são transmitidas através de várias seleções consecutivas, e que devemos investigá-las. A historiografia que herdamos, conta a história não dos reinos, mais de reis e generais. O pensamento voltairiano influenciou a cabeça de muitos historiógrafos que propiciaram uma revolução no contexto histórico, passam então a inverter o modo como escreviam, em vez de escreverem apenas sobre reis e seus feitos, passaram a escrever muito mais sobre as classes mais baixas da sociedade, principalmente a arte, a literatura, a ciência que entraram nesse contexto devido a seus vários progressos. Outro ponto importante é o da periodicidade das gerações, não tem nada para se regular, existem em História gerações longas (civilizações) e curtas (fase, um período). Conclui-se que para classificarmos a história devemos levar em conta os recortes já feitos no passado e tentarmos aproximarmos estes dos outros recortes que não foram feitos nele. Com isso tentarei entender o passado através e aproximações, generalizações e outros meios.
No capítulo cinco não se sabe ao certo qual o título que ele daria No prefácio de Jacques Le Goff têm uma parte que diz “... sem dúvida teria sido sobre “a explicação em história”...”. Mas nós sabemos que Bloch foi uma das vítima de Klaus Barbie, fuzilado, calou-se um francês, mas não o francês que escreveu este livro e que entrou para História como a pessoa que conseguiu colocar num só livro. O melhor jeito de aplicar os conhecimentos de um historiador na prática, este é sem sombras de dúvidas, o melhor livro de metodologia feito e, serve inclusive, para quem está começando os estudos acadêmicos. É neste capítulo que Bloch fala somente da causa, ele queria escrever mais, não pôde. Quando Bloch fala da causa ele faz mais uma crítica ao positivismo que ele menciona “... pretendeu eliminar da ciência a idéia de causa...” (P. 191). Ele mostra também que as causas da história não é um problema de motivos. Para Bloch a monocausalidade deve ser refutada, ao se escrever História, devemos levar em conta uma multiplicidade de causas, e seus efeitos, isso é indiscutível. Por isso não devemos fazer que as causas sejam reduzidas sempre a um problema de motivos. Por fim, Marc Bloch, termina o texto numa frase que sem dúvidas é um resumo de tudo que ele falou sobre causas: “... Numa palavra, as causas, em História como de resto em qualquer outro domínio, não se postulam. Investigam-se” (P.195).
Em suma, posso dizer que este estudo sobre a obra de Bloch e os conhecimentos adquiridos com a experiência de outros autores, mostrou que um historiador deve saber convencer seu público, conquistá-lo, a História não é só ciência, ela também é arte, vida e conhecimento, ela completa o homem e o homem a completa, fazendo assim um jogo em que não há vencedores e sim os vencedores. Uma prova disso é que os historiadores não se contentam na primeira resposta, há sempre a necessidade de outras respostas, ou seja, a História se adequou a humanidade com o passar dos tempos, fazendo isso, ela progrediu e continua em progresso assim como a humanidade, ou seja, a vitória da humanidade o seu progresso é também o progresso da história, pois, se a história fosse uma ciência dura como a Matemática, a Física e a Química, ela seria uma disciplina de esquizofrênicos fazendo que se tornasse indispensável, mas devido sua maleabilidade ela é empolgante, irresistível e importantíssima para explicar e transformar o mundo em que vivemos.
________
Bibliografia:
BLOCH, Marc. Apologia da História, ou o Ofício do Historiador, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,2001
CARDOSO, Ciro Flamarion. Uma Introdução à História. São Paulo: Brasiliense, 1981.
CARR, E. Mallet. O que é história. São Paulo, Paz e Terra, 1999.
DOSSE, François. A história em migalhas: dos Annales à nova história. São Paulo/Campinas, Ensaio/Ed. UNICAMP, 1992
Comentários
Postar um comentário