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Maragogipe e a Independência da Bahia, o Dois de Julho

Por: Osvaldo Sá
Fotos: Zevaldo Sousa
Retirado do Livro Histórias Menores

A luta pela Independência, na Bahia, foi movimento genuinamente popular, iniciado nas Câmaras de Vereadores de todo o Recôncavo. O combate se processou símile ao dos gregos em Tróia, até, na época, o aspeto de Salvador lembrava a xilogravura da cidade de Príamo, exibida em 1493, na edição de Koberger. Os Heróis de Agámenon iam à recuperação de Helena - a formosa mulher, e os baianos à conquista da Liberdade - a adorável deusa.

O bloqueio da Bahia, pelas forças libertárias, se fez em forma de hemiciclo, de São Francisco do Conde a Jaguaripe. Itaparica foi um ponto avançado, onde se desencadearam grandes pelejas, com o heroísmo de seus bravos marujos improvisados.

As Câmaras, ainda naqueles dias épicos, eram poder excepcional, conquanto houvessem já perdido parte dele para que se fortalecesse, na colônia, o ímpeto controlador da Metrópole.

Logo, porém, que os santamarenses se rebelaram e jorrou generoso o sangue dos cachoeiranos, as Câmaras das demais vilas da circuvizinhança, secundando o anseio do povo, também se insurgiram contra a Côrte Lisbonense, representada na Bahia, pela arrogância militar do general Madeira de Melo, que ali arrotava braveza amparado pela burra dos altos comerciantes lusos, balofos e endinheirados.

Já no início de 1822, os deputados baianos em Lisboa, se não curvaram ao poder colonizador e, às Câmaras desta então Província, enviaram mensagem, indagando delas qual o governo que preferiam, e foi a resposta imediata de que um autônomo e, destarte, logo apoiaram o príncipe regente, quando se insurbodinara este contra os que, no longínquo Portugal, tentavam promover a continuação do Brasil-Colônia, com as mesmas ganas de antes da chegada, aqui, da família real apavorada com a arrancada, na velha Europa, da soldadesca napoleônica.

No governo brasileiro que se constitui em Cachoeira, lá estava o representante da Câmara maragogipana, Capitão-mor Manuel da Silva Coimbra, depois que se decidiu o nosso povo, incondicionalmente, pela emancipação brasileira. Mas, muito mais do que isso, foi a atuação daquele modesto e talentoso, preclaro e bravo, Antonio Pereira Rebouças, na época simples escrevente de cartório, e elevado a Secretário da Junta de Defesa que se constitui na Cachoeira Heróica. E foi ele, sem dúvida, a mola maestra daquela Corporação, com a sua atividade incansável em aliciar elementos para a gloriosa batalha, inclusive de vários maragogipanos seus conterrâneos. Dentre estes, merece relevo Manuel Maurício Rebouças, valoroso até a consumação da guerra e que, consoante notícias veiculadas em velhos jornais, dirigiu um comando a desoras, que assaltou posto inimigo nas imediações da Barra Falsa, defronte à Itaparica, e ali aprendeu diversos barris de pólvora depositados por contingente do birrento Madeira.

Também em território maragogipano, na Barra do Paraguaçu, instalara-se um forte de emergência e, na ação ou vigilância constante que se desenvolveu nesta região, o Fortinho do Paraguaçu, ou Santa Cruz, que se mantinha atento, impossibilitara, na hora precisa, com o pipocar de seu canhoneio, que pressurosa escuna lusa socorresse àquela derrotada em Cachoeira, momentos em que o maragogipano José Pereira de Brito, orientando canoeiros e pescadores nossos, se sobressai em auxílio à comunicação entre comandos da Liberdade.


Fortinho do Paraguaçu - Visão interna do Forte
A vila era toda um frêmito em favor da pátria que nascia. Armas se preparavam, tronchas mas úteis, de feitios vários e primitivos, nas mãos dos brasileiros que se aprimoravam nas oficinas de engenhos de cana e em tendas de ferreiros, que caprichavam na feitura delas.

Entrementes, destituído do comando das forças rebeladas, já em 20 de maio de 1823, foi, procedente do Engenho Canguruçu, em Pirajá, conduzido preso a esta então vila, o general Pedro Labatut, que algum tempo permaneceu na masmorra local, demonstrando isso o alto crédito que o novo comandante das forças de libertação depositava no patriotismo e na bravura dos maragogipanos pela causa da Independência.

É de notar que, mais distante, nos campos de Pirajá, bem jovem ainda, Domingos Rodrigues Seixas, lídima vocação de patriota, se empenhava com denodo, nas batalhas decisivas, acompanhando diversos conterrâneos seus, maragogipanos de sangue forte, que residiam em Nagé. Foi ele, pela sua disposição de luta, agraciado com várias comendas do Império, como também, posteriormente, pelo seu valoroso desempenho na guerra contra o ditador López.

Reportando-nos a tais acontecimentos da pugna memorável, cortejamos que Maragogipe não se inferioriza no quadro verde-amarelo das vilas que mais se valorizaram na luta pela nossa emancipação política. Do pujante ardor de nosso povo, veio-lhe mais tarde à cidade, o título honorífico de "Patriótica". Nenhum mais belo e mais expressivo. O Patriotismo é o heroísmo continuado, permanente. O Heroísmo pode ser o ato de bravura impetuosa de um momento, rápido, fulminante. Já o patriotismo nasce de ação continua e consciente, e, por isto, subsiste, perdura.

Não se devem os baianos do Recôncavo, degladiar em contendas pelo galardão de primeiros libertadores. Primazia de que? Se nas batalhas todos se irmanavam para viver a hora apoteótica da Liberdade! Se o 2 de Julho, o dia em que o general Madeira se mandou do Brasil para Portugal, pertence a todos os baianos, muito mais aos habitantes das então vilas do Recôncavo, e se nos dias da sangrenta epopéia mais vilas houvera mais se rebelariam. O 2 de Julho não é privilégio, é sim um símbolo vivo, agora e sempre, para a conquista de novos triunfos à Liberdade, "a peregrina esposa do Porvir - a noiva do Sol", do hino eterno cantado pelo genial Poeta da Raça.

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