INTRODUÇÃO
Mircea Eliade |
Rudolf Otto “designa todas essas experiências como numinosas porque elas são provocadas pela revelação de um aspecto do poder divino” (p. 16). O Numinoso seria, portanto um estado religioso da alma inspirado pelas qualidades transcendentais da divindade, um ganz andere (Totalmente outro, a alteridade radical do ser humano), ele não se assemelha a nada humano, o homem tem, portanto um sentimento de ser apenas criatura.
A proposta do autor será apresentar “o fenômeno do sagrado em toda a sua complexidade, e não apenas na que ele comporta de irracional” (ps. 16-17), sendo a oposição do sagrado em relação ao profano o seu objetivo.
Quando o sagrado se manifesta.
O homem toma noção do sagrado quando ele se manifesta se mostrando diferente do profano, a hierofania é um termo cômodo e “exprime somente o que está implicado no seu conteúdo etimológico, a saber, que algo de sagrado nos revela.” (p. 17). As religiões desde as mais primievas até as mais complexas estão mergulhadas em um número considerável de hierofanias, sabemos de hierofanias elementares como a manifestação do sagrado em uma árvore como também de hierofanias supremas como encarnação de um Deus em um homem. Logo percebemos que uma hierofania é a manifestação de algo que não pertence ao nosso mundo em algo que pertence que seja profano. Por isso, pelo fato de o sagrado equivaler a poder e ele estar saturado de ser, “que o homem religioso deseje profundamente ser, participar da realidade, saturar-se de poder.” (p. 19).
É deste assunto que o autor vai tratar, de como o homem religioso vai esforçar-se para manter-se o máximo possível num universo sagrado e como se apresenta em relação ao homem privado, que se encontra ou deseje se encontrar num mundo dessacralizado.
Dois modos de ser no mundo.
Podemos medir o abismo que afasta as duas modalidades de experiência, além disso, elas constituem duas modalidades de ser do mundo, distintas e opostas, em última instância, o sagrado e o profano dependem das distintas posições que o homem conquistou no Cosmos, e por isso deve-se ser estudado por qualquer pessoa que deseje saber as dimensões possíveis da existência humana.
A proposta do autor é então buscar e salientar as diversas experiências religiosas e analisar os diversos textos existentes desde os antigos aos atuais, mostrando assim a diferença que foi exposta na parte anterior.
O sagrado e a história.
Existe, portanto uma experiência religiosa que pode ser explicada pela história (economia, cultura e organização social), um dos fatos a serem expostos são que: tanto pastores nômades, quanto agricultores sedentários vivem no Cosmos sacralizado. Vamos então comparar esse com o homem das sociedades modernas, que vive no Cosmos dessacralizado.
O ESPAÇO SAGRADO E A SACRALIZAÇÃO DO MUNDO.
Homogeneidade espacial e hierofania.
Para o homem religioso o espaço não é homogêneo, ele apresenta roturas, quebras e essas são qualitativamente distintas dos outros espaços, ou seja, há espaços sagrados, que são significativos, fortes e há espaços não-sagrados que não apresentam estrutura e consistência, essa experiência primordial, corresponde a “fundação do mundo”, pois a partir das roturas nós criamos um “ponto fixo”, um “eixo central”, criamos nosso mundo. “O homem religioso se esforçou por estabelecer-se no “Centro do Mundo”.” (p. 26), pois assim ficavam mais perto do que era sagrado.
Já para a experiência profana o espaço é homogêneo e neutro, não existem quebras, roturas, todas as partes são iguais qualitativamente, mas apesar do grau de dessacralização que o homem não-religioso tenha chegado ele ainda possui um comportamento religioso, ele não consegue destruir este comportamento por completo, por isso, que mesmo existindo uma experiência dessacralizada ainda está embutida de um valor religioso, ou seja, não existe um valor ontológico único e sim valores, pois existem lugares onde são mais ou menos neutros que a sociedade industrial impõe ao homem. Assim podemos dizer que o homem moderno tem um “comportamento “cripo-religioso”” (p. 28).
Teofanias e sinais.
Então o autor mostra que em qualquer religião podemos mostrar como se caracteriza o espaço sagrado do profano, ele mostra que existe um limiar, ou seja, uma linha limite entre o mundo profano e o mundo sagrado este limiar pode ser encontrado, por exemplo, numa igreja, onde a porta é o limite entre a rua (profano) e o interior da igreja (sagrado). Neste local podemos nos transcender e estarmos protegidos de qualquer espírito mal, ou demônio, ele é um local de passagem que nos coloca em comunicação com os deuses.
“Todo espaço sagrado implica uma hierofania, uma irrupção do sagrado que tem como resultado destacar um território do meio cósmico que o envolve e o torna qualitativamente diferente” (p. 30), a teofania consagra o lugar pelo fato deste lugar estar aberto para o céu, em comunicação com os deuses, é um local de passagem.
Mas um “sinal qualquer basta para indicar a sacralidade do lugar.” (p. 30), ou seja qualquer coisa que não seja deste mundo se mostrou de maneira diferente em algum ser deste mundo, e quando isso não acontece o homem provoca-o, evoca-o para ter um sentido na sua vida, estar orientado na homogeneidade do espaço.
Por isso se estabeleceram técnicas de orientação e construção do espaço sagrado, pelo fato do homem querer estar num “ponto fixo”, num eixo central, em comunicação com os deuses, estar ao lado da mundo existencial.
Caos e Cosmos.
As sociedades tradicionais tem um posição bem estabelecida, eles distinguem bem o que é conhecido, o seu mundo como Cosmos e o que não é conhecido, estrangeiro como Caos, por isso “É fácil compreender por que o momento religioso implica o “momento cosmogônico”: o sagrado revela a realidade absoluta e ao mesmo tempo, torna possível a orientação – portanto, funda o mundo, no sentido de que fixa os limites e, assim, estabelece a ordem cósmica.” (p. 33), por isso que essas sociedades criavam o seu mundo e recriava o mundo dos outros, pois estes últimos eram desconhecidos, estavam no Caos, e para este se cosmogizar deveria passar por um processo de recriação do universo, do nosso mundo, dando a este espaço uma estrutura, formas e normas.
Consagração de um lugar: repetição da cosmogonia.
A cosmização dos lugares desconhecidos será sempre uma consagração, precisamos organizar o espaço, para reiterarmos a obra exemplar dos deuses. Não podemos viver sem uma abertura para o ascendente, se estamos longe dessa abertura criamo-la no lugar em que estamos ou levamos esta abertura conosco (como os nômades), “pois uma vez perdido o contato com o transcendente, a existência no mundo já não é possível.” (p. 36). Então o autor vai mostrar como podemos fazer a comunicação com o transcendente? Através do poste sagrado, fazemos esta comunicação e ele ainda “sustenta” o mundo, ele é um “protótipo de uma imagem cosmológica que teve uma grande difusão” (p. 36), reservo-me agora apenas a transcrever algumas passagens que considero.
“Temos, pois, de considerar uma seqüência de concepções religiosas e imagens cosmológicas que são solidárias e se articulam num “sistema”, ao qual se pode chamar de “sistema do mundo” das sociedades tradicionais: (a) um lugar sagrado constitui uma rotura na homogeneidade do espaço; (b) essa rotura é simbolizada por uma “abertura, pela qual se tornou possível a passagem de uma região cósmica a outra; (c) a comuicação com o céu é expressa indeferentemente por certo número de imagens referentes todas elas ao Axis Mundi: pilar, escada, montanha, árvore, cipós, etc; (d) em torno desse eixo cósmico estende-se o “mundo” (“nosso mundo”) – logo, o eixo encontra-se “ao meio” no “umbigo da terra”, é o Centro do Mundo.” (p. 38).
Outra passagem, agora em relação ao centro do mundo.
“O mesmo simbolismo do centro explica outras séries de imagens cosmológicas e crenças religiosas, entre as quais vamos reter as mais importantes: (a) as cidades santas e os santuários estão no centro do mundo; (b) os templos são réplicas da Montanha cósmica e, conseqüentemente, constituem a “ligação” por excelência entre a Terra e o Céu; (c) os alicerces dos templos mergulham profundamente nas regiões inferiores.” (p. 40).
Estas passagens são um resumo concreto daquilo que o autor explicou até o momento.
“Nosso Mundo” situa-se sempre no centro.
De tudo o que o autor disse até agora, tem como resultado dizer que nos encontramos no Centro do mundo, pois é só aí que se encontra o verdadeiro mundo, trata-se necessariamente de um cosmos, não interessa se estivermos falando de uma região, uma cidade, ou um santuário estes representam uma imago mundi.
“O homem religioso desejava viver o mais perto possível do Centro do Mundo” (p. 43), ele sabia que a sua região, a sua cidade, os templos e palácios estavam no centro do mundo, mas ele também queria que a sua casa fosse um centro, que fosse uma imago mundi. E acreditavam de fato que isso era possível e reproduziam em escalas menores o Universo. Por isso que o homem criou como já disse antes técnicas para orientação e construção do espaço sagrado, este por sua vez se estabelece agora num âmbito maior as moradas sagradas
Cidade - Cosmos.
“Visto que “nosso mundo é um cosmos, qualquer ataque exterior ameaça transformá-lo em “caos”.” (p. 46) Por isso foram criados ao redor da cidade formas de se proteger dessas ameaças, que para o autor num primeiro momento não foi de defesa contra ataques humanos, mas sim de ataques dos inimigos dos deuses, dos seus deuses, que queria se vingar, maltratando a sua criação, por isso se criva ao redor da cidade muros, fossas, círculos na intenção de defesa contra esses ataques, que podiam ser de diversas formas, então deveríamos repetir o ato de vitória dos deuses contra seus inimigos, mesmo que simbolicamente.
Hoje ainda preservamos alguns conceitos, quando nos sentimos ameaçados, falamos no “caos”, “desordem”, “trevas” onde o “nosso mundo” se afundará. “Todas essas expressões significam a abolição de uma ordem, de um cosmos, de uma estrutura orgânica, e a reimersão num estado fluido, amorfo, enfim, caótico” (p. 48). Isso prova que o homem não-religioso ainda não se libertou totalmente da religião.
Assumir a criação do mundo.
Esta parte do texto esta bem resumida, por isso, mostrarei apenas algumas partes que considero importante.
“Instalar-se num território, construir uma morada pede, conforme vimos, uma decisão vital, tanto para a comunidade como para o individuo. Trata-se de assumir a criação do “mundo” que se escolheu habitar” (p. 49), e como santificar uma casa?
Para transformar ritualmente a morada em Cosmos, em uma imago mundi basta: “(a) assimilando-a ao cosmos pela projeção dos quatro horizontes a partir de um ponto central, quando se trate de uma aldeia, ou pela instalação simbólica do Axis Mundi quando se trate da habitação familiar; (b) repetindo, mediante um ritual de construção, o ato exemplar dos deuses” (p. 50), por isso toda casa é um Axis mundi, porque o homem só pode viver na realidade absoluta.
Cosmogonia e Bauopfer.
O autor então vai descrever tudo aquilo que ele já disse sobre cosmogonia, dando um exemplo de construção de casa na Índia, para explicar o termo Bauopfer, que significa “sacrifícios ou simbolismos em proveito de uma construção” (p. 53), para ele “não é somente o Cosmos que nasce na seqüência da imolação de um Ser primordial e da sua própria substância, mas também as plantas alimentares, as raças humanas ou as diferentes classes.”
A habitação “é o Universo que o homem construiu para si imitando a Criação exemplar dos deuses a cosmogonia.” (p. 54) toda construção é a inauguração de uma nova vida, um novo começo, por isso ela também é um “centro do mundo”
Templo, basílica, catedral.
Para o autor, nas sociedades orientais “o templo recebeu uma nova e importante valorização” (p. 55), ele agora era uma reprodução terrestre de um arquétipo transcendente. Logo “se o Templo constitui uma imago mundi, é porque o mundo, como obra dos deuses, é sagrado. Mas a estrutura cosmológica do Templo permite uma nova valorização religiosa” (p. 56), pois ele agora representa e também contém a casa dos deuses, por isso eles “gozam de uma existência espiritual, incorruptível, celeste.” (p. 56). A Basílica e a catedral vão retomar esse conceito e prolongar todos esses simbolismos.
Algumas conclusões.
Para o autor “o mundo deixa-se perceber como mundo, como cosmos, à medida que se revela como mundo sagrado.” E “o desejo de viver num Cosmos puro e santo, tal como era no começo, quando saiu das mãos do criador.” Essa é a idéia principal de Mircea Eliade.
ELIADE, Mircea. Introdução: O Espaço Sagrado e a sacralização do mundo. In: O Sagrado e o Profano: A essência das religiões. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
Escrito por Zevaldo Luiz Rodrigues de Sousa
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