Fonte: Terra
Rosane Soares Santana
Rosane Soares Santana
O uso da máquina pública para garantir a vitória do partido do governo foi um dos aspectos mais marcantes das eleições no Brasil Império, além da fraude e da violência. A distribuição de cargos, a substituição de juízes, o aumento de salários de servidores e a nomeação de novos presidentes de província - aos quais cabia comandar, com mão de ferro, o processo eleitoral - foram rituais repetidos nas 18 eleições ocorridas durante todo o Segundo Reinado (1840-1889).
Um dos mais destacados estudiosos do Brasil Império, o brasilianista Richard Graham (Clientelismo e Política no Século XIX, Editora UFRJ) observou que a troca de favores entre os políticos e suas clientelas locais e regionais foi o caminho para a realização de eleições pacíficas, sem uso da força. A distribuição de cargos públicos, inclusive na cooptação de lideranças-chave da oposição, foi fundamental para garantir a ordem e assegurar uma aparência de legalidade ao processo eleitoral, possibilitando inserir o País no contexto das nações civilizadas e adeptas da democracia representativa.
O presidente da província era figura estratégica no processo eleitoral, cabendo a ele garantir a vitória do governo no pleito. Com o poder de afastar, substituir e até determinar a aposentadoria antecipada de juízes, anular resultado das apurações e preencher atas eleitorais com nomes de sua preferência, eles conseguiam, quase sempre, garantir a vitória de parlamentares afinados com o poder central.
"O gabinete esforçava-se nomeando presidentes (de província) e chefes de polícia de sua confiança, removendo juízes de direito e dando as comarcas aos seus protegidos, demitindo alguns empregados, reintegrando outros (...) procedendo a todos os atos preparatórios, necessários ao bom êxito da eleição", observa Graham.
O caso baiano
Na Bahia esta prática é anterior ao Segundo Reinado. Em 1835, por exemplo, após a proclamação dos resultados da primeira eleição para a Assembléia Provincial, o presidente da província Joaquim José Pinheiro de Vasconcelos, mandou proceder uma recontagem de votos, que acabou com a inclusão, entre os deputados eleitos, dos nomes dos bacharéis André Corsino Pinto Chichorro da Gama, parente de Antonio Pinto Chichorro da Gama, ex-ministro do Império, e Luiz Barbalho Muniz Fiúza Barreto, futuro Barão de Monjardim. Ambos filhos de famílias proprietárias de engenho no recôncavo baiano, nata da elite política imperial.
Outro exemplo claro de uso da máquina pública nas eleições para favorecimento de aliados governistas, na Bahia imperial, foi o caso de Ignácio Anicleto de Souza, padre, proprietário de engenho, presidente da Câmara de Vereadores(1835) e juiz de paz na localidade de Maragogipe, também na região do recôncavo. Ele concentrava em suas mãos, a um só tempo, poder eclesiástico, econômico, judicial e político, sendo, portanto, peça-chave para garantir a vitória do governo em qualquer eleição.
Em 1838, já secretário da Câmara de Vereadores, quatro meses depois da eleição para a terceira legislatura da Assembléia Provincial, solicitou e teve seu salário equiparado aos salários dos secretários das Câmara de Feira de Santana, segunda vila mais importante da província, e Santo Amaro, que, seguramente, auferiam maiores rendas do que a vila de Maragogipe.
Seu salário simplesmente dobrou, passando para 500 mil réis anuais, cerca de 50% das despesas da Câmara, orçadas em 1.180 mil réis. Isso atesta o imenso poder de barganha do padre-mandão junto à presidência da província, porque possuía poderes para controlar fatia significativa do eleitorado local.
A política de favorecimento era praticada em todos os escalões do governo imperial, com a nomeação de apadrinhados políticos para os cargos da burocracia. Fazia parte da cultura política e não havia quem pudesse vencer uma eleição sem o "toma lá dá cá". Sem alternativa e para manter a longa paz no Império, durante todo o seu reinado D. Pedro II permitiu que, para posições de confiança, fossem negligenciadas as qualificações.
Comentários
Postar um comentário